terça-feira, 25 de dezembro de 2007

O que importa é que eu sei

Tem umas coisas que a gente ouve por aí que Deus me livre... Andei ouvindo umas nestes últimos dias que me levaram à reflexão. Quando a bobagem é grande demais eu costumo mesmo deixar entrar num ouvido e sair no outro, porque simplesmente a discussão não vale a pena. Ouvi “você é muito teórica” de uma pessoa que sempre me aconselhou a aprofundar os estudos de dogmática porque sem teoria não existe prática. Mas, enfim. As palavras que me chocaram não têm nada a ver com meus estudos ou minha carreira.

Eu já tinha ouvido que eu deveria cuidar mais de mim e me preocupar menos com minha família, mas achei que a pessoa estava falando da boca pra fora. Afinal, que espécie de gente é esta que não se preocupa com a família? Só que esta mesma pessoa chegou pra mim outro dia e perguntou da minha avó. Respondi que ela não estava muito legal, que começava a ter falhas de memória e que eu (confesso) estava com medo de ir lá e ela não me reconhecer, mas que ia assim mesmo, com o coração na mão. “Por isso que quando pai estava morrendo eu não ia visitá-lo. Ele não me reconhecia mesmo.” Não contive minhas palavras. Vomitei que não me importava que minha avó não se lembrasse de mim, porque eu sabia muito bem quem ela era e o que significava na minha vida. E que o pai dele podia até não se recordar dele, mas que ele sabia quem o pai dele era e que não estar presente nestes momentos era mais que covardia, era egoísmo puro.

A pessoa ficou com cara de asterix e soltou um “isso é verdade...” Desta vez eu me contive. Mas a língua coçou de vontade de dizer “pois é, mas você, no seu mundinho, nunca parou pra pensar nisso, nunca parou pra pensar que sua presença em um único momento de lucidez poderia fazer seu pai mais feliz antes de morrer. Só que agora é tarde, então continue aí não se preocupando com sua família e vá visitar seu pai no Dia de Finados no cemitério, se te consola. E lembre-se disso quando seus filhos não estiverem mais junto de você.”

Sinceramente? Não acredito que estou errada. Não ganhei nada em atormentar a consciência de uma pessoa de mais de setenta anos, mas quando vi, já tinha falado. E aí eu entendi muitas coisas que aconteciam na vida daquela pessoa e ela às vezes, em tom resignado, me contava entristecida. Entendi alguns olhares diante de atitudes minhas, pra mim muito naturais, que me diziam: queria que meus filhos agissem assim. Como aconteceu no ano passado quando, descaradamente, eu extorqui vários familiares e amigos pra juntar dinheiro suficiente pra comprar material escolar pra vinte crianças que haviam feito este pedido ao Papai Noel dos Correios. “É, Laeticia, você é uma pessoa boa...” “Sou não. Não sou nem melhor, nem pior que ninguém. Mas acho que uma criança de menos de dez anos que pede material escolar de presente pro Papai Noel merece ganhar este material escolar. E como este ano eu estou mais folgada, decidi fazer este papel. Só que tomei ar e acabei pegando mais cartas que meu bolso agüenta. Por isso eu estou aqui agora te chantageando emocionalmente! Libera pelo menos uma onça aí, vai!”

Bem, mas voltando às vacas magras (e depois de ter feito um merchandising básico pro Papai Noel dos Correios, que tem no Brasil todo, todo ano, basta acessar http://www.correios.gov.br/ pra obter informações), minha verborréia foi além: “há um filme argentino que fala justamente disso: do abandono de quem amamos por nós mesmos. Assista O Filho da Noiva, você vai entender melhor o que estou tentando te dizer.”

De volta pra minha casa, veio a reflexão. Eu achava que pessoas mais velhas necessariamente tinham que ter uma compreensão melhor da vida e do que realmente importa. Eu achava que deveria seguir mais a voz da experiência dos mais vividos, e me deixar levar menos pela minha balzaquiana e impulsiva emoção. Eu achava que não sabia nada, que, em relação a todas as pessoas mais velhas que eu, eu seria sempre uma adolescente que achava que sabia tudo, mas que não sabia nada. Pois sim! Cheguei à conclusão que na realidade as coisas nem sempre são como eu pensava que eram ou pelo menos deveriam ser. Não é todo mundo que sabe que o essencial é invisível para os olhos, inaudível pelos ouvidos e incompreensível pela razão. Não importa que minha avó um dia não vá mesmo me reconhecer, que vá me chamar por outro nome. É claro que vou chorar até desidratar quando (e se) isto acontecer, não sou uma pedra de gelo. Mas é que ela me carregou no colo, trocou minha fralda, conhece até o meu cheiro; ela me conhece tão bem por ter estado sempre tão presente na minha vida, que não reconhecer o meu rosto chega a significar muito pouco perto do tanto que ela representa pra mim. Não importa que ela um dia venha a não saber mais quem eu sou; o que importa é que eu sei quem ela é.


Laeticia acha que Natal nem fede, nem cheira; gosta mesmo é de Carnaval, mas fica sempre reflexiva no fim de ano. Leu O Pequeno Príncipe 532 vezes e não é miss pré-fabricada. E por que no fim de ano sempre come demais e se arrepende depois, se recusou a escrever explicitamente influenciada pelo “espírito natalino”.

3 comentários:

Anônimo disse...

É isso aí, falou tudo.

Angel disse...

Maria, arrasou de novo!
Ótimo seu texto! Eu passei por isso algumas vezes, minha avó não me conheceu por sintomas da idade, inventava altas pirações a meu respeito... enfim fatos que não podemos evitar mas que em nada mudam o sentimento que temos por essas pessoas.
O que vale é o que sabemos e o que sentimos!

Beijos!

Sisa disse...

E, o que importa e o que a gente sabe. E a gente, mesmo que as vezes tenha um pouco de preguica, nao pode perder isso de vista. Nunca.

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