Eu nunca invejei o Highlander. Pelo contrário, eu sentia uma certa pena dele. Não, minto; eu sempre senti muita pena dele. Imaginem que triste você viver para sempre enquanto seus amores se vão e você fica?! Esta perspectiva sempre me apavorou.
Então foi com enorme surpresa que, aos quarenta anos de idade, me deparei com a consciência de que eu efetivamente não sou imortal! Creiam-me: inconscientemente eu sempre me senti e agi como se eu fosse imortal. E olha que eu sentia pena do Highlander!
Pior que a consciência de não ser imortal foi a certeza de que meus amores tampouco o são!
Vejam bem: até pouquíssimo tempo atrás eu nunca havia sentido medo de correr determinados riscos. Aliás, eu sequer concebia a existência de riscos. O único risco era não viver plenamente as oportunidades oferecidas pela vida. Voemos de asa delta! Saltemos de paraquedas! Pulemos de bungee jump! Não é a este tipo de risco que me refiro. Quem dera!
Minha irmã que malha todo dia e só come natureba; teve uma trombose aos 38 anos. Eu voltei a fazer ginástica somente há dois meses e mesmo assim para estimular meu marido a se exercitar. Fora que eu como tudo que me der vontade, da cenoura ralada a barriga de porco, com preferência, evidentemente, pelo porco.
Minha amiga descobriu um câncer de mama aos 35 anos, teve que fazer uma mastectomia; está incrivelmente bem, mas foi um baita susto. E eu fiquei enrolando até o ano passado para fazer uma mamografia e um ultrassom que minha ginecologista já havia pedido há dois anos.
Uma conhecida de 36 anos foi fazer uma cirurgia eletiva e morreu. E eu aqui planejando fazer uma plástica para levantar os peitos e ajeitar a lataria.
Outra, da época do primário, infartou aos 42 anos. Dizem que estava pegando pesado com drogas lícitas e ilícitas. Ok, eu nunca me droguei. Mas já bebi horrores a ponto de, nas palavras da minha vó, praticamente perder a dignidade e literalmente perder o rumo.
Uma terceira, de 40 anos, por quem eu nutria uma verdadeira antipatia, estava na estrada de moto e foi esmagada por uma árvore que caiu em cima dela! A mesma estrada pela qual passei duas vezes por dia, religiosamente todos os dias, durante pelo menos quinze anos da minha vida.
Agora acabo de receber a notícia de que o irmão de uma amiga, um cara praticamente atleta, em torno dos 40, infartou ontem, está no CTI e passa bem, graças a Deus.
Eu realmente nunca havia pensado sob este prisma. Capaz que viver é perigoso! Riobaldo que era frouxo!
Não, Riobaldo, faço a mea culpa. Viver é sim perigoso. Mas não seria mais perigoso ainda deixar a vida passar pelo medo dos perigos?
Sempre optei por enfrentar meus medos. Mas eu os enfrentava meio na displicência, na certeza da imortalidade. Aquela coisa meio gaiata de quem tem certeza de que tem todo o tempo do mundo.
Agora, consciente de que o pó me espera e que o tempo já não é mais tão meu amigo, decidi continuar enfrentando os perigos, porém os estou escolhendo a dedo.
Semana que vem vou ao médico. Continuarei com a ginástica. Terei um mínimo de discernimento para comer e beber. Não terei nenhum comedimento ao demonstrar meu amor. Porque o corpo morre, mas o amor não precisa morrer.
Laeticia agora sabe que é uma reles mortal.
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