Esse é meu primeiro texto de 2008. Eu tinha planejado começar com um texto muito diferente desse que vou escrever agora, com um assunto gostoso e uma expectativa feliz da viagem de férias que farei para um lugar maravilhoso. Mas resolvi deixar esse texto para a próxima semana, tamanha é minha indignação com algo que aconteceu no primeiro dia do ano.
Minha mãe mora em Lorena, onde passei o natal, mas fomos passar o ano novo com minha tia, que mora em São Paulo. Quando estávamos ceiando, por volta das 11 horas da noite de 31 de dezembro tocou o telefone com a notícia de que meu tio (irmão da minha mãe e minha tia de SP) tinha sido encontrado morto em casa. Nem preciso dizer que já era a ceia de ano novo... Começamos a nos preparar para a viagem. Esse tio morava em Barra Mansa – RJ, cerca de mais de 400 km de São Paulo.
Pegamos estrada a 1 hora da madrugada e fomos direto para o Instituto Médico legal saber se o corpo já estava lá. E estava. Porém, tínhamos que ir a delegacia pegar os documentos que tinham sido encontrados com ele (ele morava sozinho) e o boletim de ocorrência. O IML fica na cidade de Três Poços e a delegacia e cemitério de Barra Mansa ficam a uns 40 km de lá. Lá fomos nós, eu, minha mãe e minha tia voltar para Barra Mansa na delegacia. Resolvemos tudo, passamos na funerária ao lado e encomendamos e pagamos o enterro. Precisava então só esperar o medico do IML chegar para dar o atestado de óbito para liberar o corpo. Voltamos para o IML (tudo isso debaixo de um sol de uns 38 graus) onde o médico que deveria estar de plantão não tinha chegado ainda. Chegou por volta das 10:30 e disse que como o corpo tinha sido encontrado sem sinais de violência, a morte parecia natural, logo, não daria o atestado para liberar o corpo porque isso era trabalho do pronto socorro de Barra Mansa e não dele. Ligou para a delegacia, cancelou o registro que os policiais tinham feito e nos mandou ir ao pronto socorro pedir que uma ambulância fosse ao IML retirar o corpo para que um medico do pronto socorro desse o atestado. Lá fomos nós de volta para Barra Mansa rumo ao pronto socorro. Chegando lá, o médico se recusou a mandar uma ambulância pois isso não seria trabalho deles, e sim do IML. Começa o jogo de empurra empurra. Ligaram até para o secretário de saúde, que disse que também não tinha nada com isso. Voltamos para o IML e ficamos esperando o médico de lá voltar do almoço. Ele saiu pro almoço as 11:30 e até as 18:00 ainda não tinha voltado. O único funcionário do IML era um rapaz que estava o tempo todo de pijama (bermuda, camiseta e chinelo) e vez por outra entrava para dormir e saia de novo horas depois. Não tinha água no banheiro e nem lugar lugar para sentar. Também não tinha geladeira para colocar os corpos, que a essa altura já eram 6, sendo alguns de mais de 3 dias. No período da tarde, o sol da janela aberta batia diretamente em cima do meu tio, que já começava a apodrecer. Vez ou outra, quando esse único funcionário acordava e saia lá de dentro onde dormia, vinha, pegava uma garrafa pet de água gelada no bebedouro e molhava os defuntos para refrescar!!!
A essa altura o funcionário resolveu ser sincero e dizer que o médico não apareceria lá naquele dia. Isso mesmo, o médico de plantão do dia 1 de janeiro, que estava sendo pago com dinheiro público para estar fazendo o trabalho dele, não ia aparecer mais e ele era nada mais nada menos que o diretor do IML. Ele chegou a sugerir para minha mãe por telefone que comprasse um atestado de algum médico que estivesse no hospital. Tentamos comprar, mas como outra família já tinha chamado a TV globo para lá, o médico não quis vender.
Quando a globo chegou, o tal funcionário estava dormindo e não viu a reportagem entrando em todas as salas e filmando todos aqueles corpos em decomposição, jogados no chão, naquele calor insuportável, alguns, como meu tio, já em decomposição. Quando o funcionário viu ficou apavorado, pois temeu perder seu emprego por não ter visto uma equipe de reportagem entrar em local restrito. A reportagem foi ao ar imediatamente e então o funcionário, como num milagre conseguiu ligar para o médico, que chegou em 20 minutos.
A essa altura, minha prima estava no fórum tentando uma ordem judicial com o juiz de plantão para liberar o corpo.
O médico nos perguntou então o que ainda estávamos fazendo lá, se não tínhamos conseguido ainda que o pronto socorro fosse buscar, pois ele não iria liberar pois não era serviço dele. Eu disse a ele: “ Dr. Já fomos a delegacia e ao pronto socorro e ninguém vai fazer nada. Estamos indo embora. O senhor faça o que achar melhor, se quiser liberar, pode ligar para a funerária que o enterro já está pago e eles vem buscar e enterrar, se não quiser, fique com esse defunto ai de presente, quando terminar de apodrecer o senhor joga no lixo.”. Gente, isso já era 19:00 hs e eu estava ainda ali depois de uma noite na estrada e um dia sem comer. A resposta do médico foi comovente: “ Nossa, mas isso não é cristão!!”. Juro que quase dei na cara dele. Mas de fato fui embora e deixei o defunto lá pra ele.
Por volta das 21:00 hs minha prima conseguiu uma ordem judicial e foi até lá com um oficial de justiça que obrigou o filho da p. a dar o atestado. Quando a funerária chegou, enfim, para colocar o corpo no caixão, o estado já era tão lastimável que não foi possível trocar a roupa dele ou mesmo colocar flores no caixão, pois o corpo estava derretendo.
Me desculpem um texto tão deplorável desses logo no início do ano, mas estou indignada com o descaso e abuso que um ser humano é capaz de cometer diante de situações que, por si só, já são bastante difíceis. Esses tipos de profissionais são pagos com dinheiro publico para NÃO exercerem seus trabalhos e um órgão publico desses com uma enorme placa dizendo a obra que a governadora do estado fez ali, mostra que o nosso dinheiro deve mesmo ter ido para comprar o camionete cabine dupla do diretor do IML ao invés de comprar geladeiras e manter mínimas condições de higiene para os corpos que chegam ali.
Minha mãe mora em Lorena, onde passei o natal, mas fomos passar o ano novo com minha tia, que mora em São Paulo. Quando estávamos ceiando, por volta das 11 horas da noite de 31 de dezembro tocou o telefone com a notícia de que meu tio (irmão da minha mãe e minha tia de SP) tinha sido encontrado morto em casa. Nem preciso dizer que já era a ceia de ano novo... Começamos a nos preparar para a viagem. Esse tio morava em Barra Mansa – RJ, cerca de mais de 400 km de São Paulo.
Pegamos estrada a 1 hora da madrugada e fomos direto para o Instituto Médico legal saber se o corpo já estava lá. E estava. Porém, tínhamos que ir a delegacia pegar os documentos que tinham sido encontrados com ele (ele morava sozinho) e o boletim de ocorrência. O IML fica na cidade de Três Poços e a delegacia e cemitério de Barra Mansa ficam a uns 40 km de lá. Lá fomos nós, eu, minha mãe e minha tia voltar para Barra Mansa na delegacia. Resolvemos tudo, passamos na funerária ao lado e encomendamos e pagamos o enterro. Precisava então só esperar o medico do IML chegar para dar o atestado de óbito para liberar o corpo. Voltamos para o IML (tudo isso debaixo de um sol de uns 38 graus) onde o médico que deveria estar de plantão não tinha chegado ainda. Chegou por volta das 10:30 e disse que como o corpo tinha sido encontrado sem sinais de violência, a morte parecia natural, logo, não daria o atestado para liberar o corpo porque isso era trabalho do pronto socorro de Barra Mansa e não dele. Ligou para a delegacia, cancelou o registro que os policiais tinham feito e nos mandou ir ao pronto socorro pedir que uma ambulância fosse ao IML retirar o corpo para que um medico do pronto socorro desse o atestado. Lá fomos nós de volta para Barra Mansa rumo ao pronto socorro. Chegando lá, o médico se recusou a mandar uma ambulância pois isso não seria trabalho deles, e sim do IML. Começa o jogo de empurra empurra. Ligaram até para o secretário de saúde, que disse que também não tinha nada com isso. Voltamos para o IML e ficamos esperando o médico de lá voltar do almoço. Ele saiu pro almoço as 11:30 e até as 18:00 ainda não tinha voltado. O único funcionário do IML era um rapaz que estava o tempo todo de pijama (bermuda, camiseta e chinelo) e vez por outra entrava para dormir e saia de novo horas depois. Não tinha água no banheiro e nem lugar lugar para sentar. Também não tinha geladeira para colocar os corpos, que a essa altura já eram 6, sendo alguns de mais de 3 dias. No período da tarde, o sol da janela aberta batia diretamente em cima do meu tio, que já começava a apodrecer. Vez ou outra, quando esse único funcionário acordava e saia lá de dentro onde dormia, vinha, pegava uma garrafa pet de água gelada no bebedouro e molhava os defuntos para refrescar!!!
A essa altura o funcionário resolveu ser sincero e dizer que o médico não apareceria lá naquele dia. Isso mesmo, o médico de plantão do dia 1 de janeiro, que estava sendo pago com dinheiro público para estar fazendo o trabalho dele, não ia aparecer mais e ele era nada mais nada menos que o diretor do IML. Ele chegou a sugerir para minha mãe por telefone que comprasse um atestado de algum médico que estivesse no hospital. Tentamos comprar, mas como outra família já tinha chamado a TV globo para lá, o médico não quis vender.
Quando a globo chegou, o tal funcionário estava dormindo e não viu a reportagem entrando em todas as salas e filmando todos aqueles corpos em decomposição, jogados no chão, naquele calor insuportável, alguns, como meu tio, já em decomposição. Quando o funcionário viu ficou apavorado, pois temeu perder seu emprego por não ter visto uma equipe de reportagem entrar em local restrito. A reportagem foi ao ar imediatamente e então o funcionário, como num milagre conseguiu ligar para o médico, que chegou em 20 minutos.
A essa altura, minha prima estava no fórum tentando uma ordem judicial com o juiz de plantão para liberar o corpo.
O médico nos perguntou então o que ainda estávamos fazendo lá, se não tínhamos conseguido ainda que o pronto socorro fosse buscar, pois ele não iria liberar pois não era serviço dele. Eu disse a ele: “ Dr. Já fomos a delegacia e ao pronto socorro e ninguém vai fazer nada. Estamos indo embora. O senhor faça o que achar melhor, se quiser liberar, pode ligar para a funerária que o enterro já está pago e eles vem buscar e enterrar, se não quiser, fique com esse defunto ai de presente, quando terminar de apodrecer o senhor joga no lixo.”. Gente, isso já era 19:00 hs e eu estava ainda ali depois de uma noite na estrada e um dia sem comer. A resposta do médico foi comovente: “ Nossa, mas isso não é cristão!!”. Juro que quase dei na cara dele. Mas de fato fui embora e deixei o defunto lá pra ele.
Por volta das 21:00 hs minha prima conseguiu uma ordem judicial e foi até lá com um oficial de justiça que obrigou o filho da p. a dar o atestado. Quando a funerária chegou, enfim, para colocar o corpo no caixão, o estado já era tão lastimável que não foi possível trocar a roupa dele ou mesmo colocar flores no caixão, pois o corpo estava derretendo.
Me desculpem um texto tão deplorável desses logo no início do ano, mas estou indignada com o descaso e abuso que um ser humano é capaz de cometer diante de situações que, por si só, já são bastante difíceis. Esses tipos de profissionais são pagos com dinheiro publico para NÃO exercerem seus trabalhos e um órgão publico desses com uma enorme placa dizendo a obra que a governadora do estado fez ali, mostra que o nosso dinheiro deve mesmo ter ido para comprar o camionete cabine dupla do diretor do IML ao invés de comprar geladeiras e manter mínimas condições de higiene para os corpos que chegam ali.
Vivian está indignada!!!
7 comentários:
Vivian,
Quando li seu texto senti um mal estar horroroso. Não pelo que você escreveu, mas pelo descaso das pessoas num momento que por si só já é tão difícil. Eu particularmente acredito que depois que a pessoa morre, o que fica pra trás é mesmo a casca. Então o importante nem é tanto, na minha opinião, respeitar um corpo já sem vida. É respeitar a dor de quem é irmão, sobrinho, filho, seja o que for, daquela pessoa que se foi, e é entender que as pessoas precisam de um ritual pra se despedir das pessoas que amam. Não poder vestir ou cobrir de flores alguém querido na sua despedida é cruel, ainda mais quando a impossibilidade é fruto de pouco caso de pessoas que sabem que nunca vão passar por isso porque num momento de necessidade sabem mexer os pauzinhos certos. Era hora de dar uma de advogada enfurecida e processar meio mundo. Pode não dar em nada, nem vai permitir um tratamento mais digno para a família e pro falecido. Mas a dor de cabeça que o imbecil pode ter com o processo pode fazer com que da próxima ele pense um pouquinho mais na dor do próximo. Você tem razão de estar indignada, e eu também estou.
Dear Vivian,
Your text deeply shocked me! It's really hard for me to grasp it all or try to somehow understand how it could have ever happened?!
The death of a member of a family is one of the hardest challenges and one of the difficult moments with which the family needs to manage itself. It's the time when the family needs compassion and support, and definitely does not need such 'problems' which unfortunately happened!
Someone must take the consequences for this!
Vivian,
Sinto pelo que vocês passaram!
Não há adjetivo adequado o bastante para qualificar esse mediquinho de merda e seu auxiliar. Bastaria um pouco de boa vontade, um pouquinho só e ele poderia "coçar" o resto do dia.
Espero que supere tudo isso em sua viagem.
Beijos!
Puxa, sua indignação é totalmente aceitável. Depois de passar por uma situação como essa, é necessário um desabafo; enquanto há pessoas que se preocupam mais com o destino da CPMF, outros descontos, copa do mundo no Brasil, esquecem desses elementos básicos e essenciais para a sociedade que é educação e saúde. Depois que meu irmão mais novo passou mal e teve de ir para um pronto-socorro público daqui de São Paulo, minha mãe arranjou um convênio para ele; ver meu irmão deitado numa maca em um corredor foi pesadíssimo. Fico pensando nas pessoas que não têm condições de pagar um convênio e ficam a mercê da saúde pública.
Ruim começar o ano assim, mas sempre penso que dias melhores virão.
Abraços, menina!!!!
Oi vivian,
Eu também fiquei chocada com o que vc nos contou e concordo plenamente com a Sisa, o melhor a ser feito agora é meter um processo na cara desse cara.
Beijos,
Sou solidária, viu. Faço minhas as palavras de todos. Mas, tecnicamente, acho que mais eficaz do que procurar um advogado, será procurar o Ministério Público da comarca. O MP pode dar uma puta dor de cabeça pro IML e aí vai pra mídia e é um alvoroço, mas costuma dar resultado. O advogado vai conseguir uma reparação individual. Claro que é importante, mas além disso, acho que vale a pena a representação junto ao MP pra defender um direito de todos também.
PS. Puta que o pariu. Como que pode uma coisa dessas?
Oi Vivian.
Nossa, eu fiquei chocada com esta história que você narrou.
Também não acho certo menosprezar a dor da perda de alguém, por mais que o corpo seja só uma passagem... Para quem foi, foi; mas, e quem fica? Lamentável mesmo.
Concordo com Laeticia: bota pra quebrar!
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