sábado, 5 de abril de 2008

Até um pé na bunda te põe pra frente

Não importa a época da vida, sempre tive o costume de pensar no que eu estaria fazendo se não fizesse o que faço agora. Nunca deu muito certo, mas me acostumar a ter este pensamento fez com que hoje eu sinta certa liberdade e segurança sobre meu futuro que me fazem “deixar a vida me levar” de um jeito muito mais leve.

A primeira coisa que eu quis ser na vida foi psicóloga, sem nem entender muito bem o que isso significava, obviamente porque minha mãe o é. Como de pequena eu já era geniosa, quis achar algo mais original para dizer que queria ser quando crescer. Pensei em pediatra, mas logo ficou evidente para mim que tenho certa intolerância e pânico do sofrimento físico alheio, então não dava. Com cinco, seis anos, resolvi que queria ser cientista e minha paixão pelo céu, o cometa Halley e a ordem natural das coisas me levaram a querer ser astronauta. Desta idéia romântica logo se desenvolveu uma fixação um pouco mais amadurecida e com doze anos eu estava convicta de que queria estudar física e me especializar em astronomia.

Tentei me informar sobre tudo o que eu pudesse a respeito disso em Porto Alegre, mas não fui muito feliz. Conheci poucas pessoas da área que me passaram uma idéia de desencanto pela sua profissão. Para alegria da minha mãe, que a esta altura estava convencida de que ela passaria por poucas e boas até que eu estivesse na NASA e longe dela, e para minha tristeza profunda, resolvi mudar de idéia e resolvi ser farmacêutica, sem ter muita noção do que um farmacêutico faz, mas achando que seria bem divertido.

Entrei na faculdade com a certeza absoluta de que meu sonho era abrir uma farmácia de manipulação. O fato de levarmos mais de três longínquos anos para aprendermos como fazer medicamentos e cosméticos (que é o que mais honesta e futilmente me encantava), e o fato de através de uma bolsa de iniciação científica acidentalmente passar a conhecer a tal vida acadêmica e como é que se faz pesquisa de verdade (coisa que antes eu não tinha a mais mínima idéia), acabaram fazendo uma curva na minha vida e meu antigo sonho de ser cientista passou a ter então outro nome: quero ser pesquisadora.

Com meu esforço tranquei a faculdade e passei um ano fora do país pra aprender inglês de verdade. Voltei e me formei, mais perdida que cego em tiroteio. Veio o mestrado em química, que eu considero ter sido um período intenso demais, que me fez seriamente sofrer e crescer muito, em função da minha imaturidade emocional. Eu coloquei todas as minhas fichas ali e realmente adorava o que fazia, porém, no meio do caminho, quando as coisas na minha pesquisa não funcionaram muito bem e eu tive a oportunidade de mudar o tema, como queria meu orientador, fui cabeça-dura e quis continuar tentando até conseguir. No fim até que deu certo, mas fiquei com a sensação de que o que eu fiz nunca vai servir pra nada, entra no limbo das “idéias que se alguém não tivesse tentado não se saberia que não valem a pena”. Certamente serviu muito para o meu crescimento e para que eu percebesse que as chances das coisas não darem certo outras vezes neste caminho, porque sou muito cabeça-dura e pouco flexível, eram grandes.

Então, depois de algumas breves experiências frustrantes e engraçadas, veio, do além, a oportunidade de trabalhar como pesquisadora em uma indústria farmacêutica, na área de propriedade industrial. Quê? Mas o que é que faz isso? Pré-requisito: tinha que ter no mínimo o mestrado nas áreas de química ou farmácia, ter um bom inglês e o tal “perfil” (devia ser divertido então, né?). Meu chefe me disse claramente que foi o “perfil” que ele curtiu, porque no meu currículo dizia que eu já tinha sido garçonete em Londres, promotora de eventos, tradutora e coisas assim (sempre fiz questão de manter isso lá), ou seja, mostrava que eu não nasci quadrada.

Hoje eu sei que estou no lugar em que devia estar e que a vida foi me preparando para isso sem que eu sequer percebesse. As minhas experiências e características mais impensadas é que me trouxeram aqui. Às vezes eu penso com nostalgia que eu poderia ser uma astrônoma feliz, se na época eu tivesse tido acesso a melhores informações. Eu tenho saudade da bancada e do guarda-pó sujo, mas saber que hoje a minha obstinação não é algo a ser superado, é uma ferramenta do meu trabalho, me deixa feliz por estar onde estou e ainda de terninho. E quando vem aquele medão do amanhã, quando bate a insegurança, quando coisas ruins acontecem no trabalho, eu lembro de toda esta história e volto a ter certeza de que a vida nos leva por onde tivermos que ir (mesmo que demore um pouco), e que é mais divertido e surpreendente gostar do que se faz do que fazer o que se gosta.


Gisele Lins ainda quer abrir uma livraria que tenha um café, ser sócia de uma pousada, fazer artesanato e se convencer de que é capaz de ser bem feliz com cada uma destas coisas. Escreve aqui aos sábados.

2 comentários:

Paula disse...

Gi, a vida é cheia de surpresas mesmo, não é? E, como diz a Sisa, "o que não me mata, me fortalece" rs. Uma filosofia parecida com esta sua e muito acertada!
Eu também tenho vontade de abrir um café que tenha junto uma pequena doceria, sabe? Assim poderia exercer mais uma das coisas que eu mais gosto: fazer doces para as pessoas.
Beijo!

Anônimo disse...

Gi,
Lendo este teu texto, relembrei pq eu adorei te conhecer: PELA TUA ORIGINALIDADE. Me lembro ainda dos primeiros dias de contato contigo, em que eu pensava "nossa mas como ela consegue fazer tudo isto??"
Amiga me orgulho muito de ter estado pertinho de ti (por pouco tempo admito) mas aprendido tanto.
Minha vida ainda ta no encontro e desencontro, mas tenho certeza (e lendo tua estória, mais certezas me batem à porta) que eu estou no caminho certo, o caminho da tentativa e erro.
Hoje retornei ao mestrado, aprovada com "honras" pelo currículo (me perguntei: "mas que currículo??", mas falei baixinho para que não pensassem que sou doida ou que não quero fazer isto).
E admiti um novo ditado na minha vida que tem funcionado muito bem: "Como se faz as coisas? Só se faz fazendo."

Saudades imensas de ti e da Lê Bisca. Aqui no sul, mto calor, correria e dentro em breve eu na política (é mole?? hahahahah)

Beijokas amigas e um forte e sincero abraço.

Ale
(ainda espero pelo menos um "oi")

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