Foi por acaso que me deparei com um vídeo em que uma coach afirma categoricamente que as pessoas desistem pela falta de um propósito maior na vida. Inclusive esta coach deu um exemplo bastante infeliz que está gerando polêmica nas redes sociais.
Não foi este exemplo triste que me chamou mais atenção no discurso da moça. O que mais me chamou a atenção foi a insistência e firmeza dela em dizer que a desistência explicita falta de perseverança em busca da concretização de um sonho, ou a falta de um propósito maior, nas palavras dela.
O discurso me incomodou tanto que, passados cinco dias, ainda estou pensando no tal vídeo. Assisti novamente o vídeo do discurso, procurei o conteúdo na íntegra na internet, em uma vã esperança de encontrar algum contexto em que as palavras dela me soassem um pouco mais lúcidas. Não encontrei.
O que encontrei foram inúmeros profissionais intitulados coach de carreira, coach profissional, até mesmo coach de vida (!) e todos, sem exceção, execravam aqueles que se atreviam a cogitar desistir de um projeto, um sonho, uma atividade. Imagino que estes profissionais sejam seres sobre humanos, perfeitos, ou não se atreveriam a questionar a difícil e sofrida decisão de desistir.
A palavra atrever é proposital. Como alguém que pretende ensinar uma fórmula mágica para ser feliz, ter sucesso, “chegar lá” se atreve a julgar aqueles que desistem? Como se houvesse uma receita de bolo para ser feliz, ter sucesso e chegar lá! Como se as prioridades de vida e as oportunidades fossem idênticas; como se as circunstâncias fossem sempre favoráveis, como se a vida não nos impusesse escolhas difíceis, extremamente difíceis; como se reconhecer seus limites fosse uma fraqueza, uma vergonha. Pior! Como se o “lá” de todos fosse o mesmo lugar.
Em uma sociedade que cobra tantos resultados das pessoas, até mesmo o direito de se cansar foi cassado! O direito de mudar de idéia então, coitado, não encontra espaço mesmo! As pessoas são estimuladas a insistir, perseverar, cair, mas levantar-se e continua no mesmo caminho. Não importa se o caminho está ou não em conformidade com o que a pessoa deseja para si. O caminho de cada um está traçado pela expectativa de terceiros. Isso é muito cruel.
É verdade que eu, sim, já desisti. E afirmo com a segurança de quem dá a cara para bater que desistir faz parte da vida. Meu ato de desistir foi precedido de muita perseverança, de muito preparo, de muito investimento financeiro e emocional. Mas, assim como o “sucesso”, desistir também não é para qualquer um. Desistir demanda autoconhecimento. Desistir demanda firmeza de valores.
Mas, sobretudo, desistir demanda muita, muita coragem.
Você será julgado por absolutamente todo mundo: amigos, família, colegas de trabalho. Sorte sua se tiver um cachorro. Só ele não vai te julgar. Dentre todos os que te julgarem, pouquíssimos continuarão ao seu lado, com as mãos estendidas caso você precise de apoio. E ninguém, salvo raríssimas exceções, irá manifestar admiração por você ter ousado desistir, por ter ousado mudar. Mesmo aqueles que, bem no íntimo, também sonham em mudar de vida e não têm coragem sequer para assumir este desejo para si mesmos, nem estes darão o braço a torcer.
Desistir demanda autoconfiança, firmeza de valores, coragem e, creiam-me, perseverança. A vida fará de tudo para que você se sinta tentado a voltar do novo caminho. A sociedade prefere um insistente deprimido do que aquele que desiste e mostra que, muitas vezes, largar o osso também é uma boa opção.
Aos que se sentem tentados a desistir, infelizmente não tenho uma receita pronta para lhes passar. Não me sinto preparada para ser coach de nada, muito menos “coach de desistência”. Apenas digo pela minha experiência que o meu processo foi muito difícil, sofrido, cheio de obstáculos, mas eu não estava feliz. E a certeza de que todo mundo nasce para ser feliz é que me dá forças para continuar em frente, sem medo de mudanças, sem medo de desistências. Ser feliz sim é o meu maior propósito de vida.
Laeticia não tem medo de desistir. Nem de mudar.
Um comentário:
Eu acho que só quando a gente passasse dos 60 anos é que poderíamos nos dar o luxo de ajudar a conduzir vidas, orientar através da própria experiência. Mas temos hoje em dia "coaches" de 30 anos que não se encontra na própria certeza. Como diria Rubem Alves : "Eu cheguei onde cheguei porque todas minhas escolhas deram errado." Sempre sábio. Um velho sábio que vê o mundo com olhos de criança. Dizem que a criança precisa ralar o joelho para aprender que dói, mas que passa. Que vai ralar ainda muitas outras vezes e todas elas vão cicatrizar. E ter cicatrizes é sinal de que se viveu. Principalmente as da alma. Tentar, cair, levantar, continuar, cair de novo e levantar de novo. Me pego pensando nas feridas que tenho e que ainda não consegui curar, mas me orgulho muito das cicatrizes que carrego das feridas que curei. E pra mim a vida é isso. Chegar aos 40 ou aos 50 e se lembrar que cada cicatriz é uma lembrança, um aprendizado individual e intransferível.
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