segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

O Presente Mais que Perfeito

Será que sou a única porto-alegrense que se irrita com o hábito portoalegrês de classe média de mostrar-se feliz e satisfeito com sua vida o tempo inteiro?

Talvez a bolha que vivam os impeça de entenderem o que acontece. Vendo de fora, da visão de quem mora longe há tanto tempo, fica quase tão claro quanto água cristalina.

A corrida contra o tempo pra ganhar mais dinheiro do que se precisa pra viver bem, o carro do ano, a roupa da moda, os condomínios de luxo na praia, os lugares badalados, os tratamentos estéticos, as joias caras e os restaurantes com preços abusivos. 

Morar em Petrópolis, Bela Vista ou Moinhos de Vento é aceitável. Deusolivre morares no centro. Se morares no Bonfim... hum... esse está no limbo, a caminho de uma vida melhor.

Eles espontaneamente te dizem como são felizes, sem sequer essa pergunta ter sido mencionada. Saem quase todas as noites para beber com os amigos nos lugares badalados. Tem pânico da solidão. Não leram Tolstoi, Machado de Assis, nem Nietzsche. Não tem religiosidade e nutrem um apego superficial pela família. Seu objetivo de vida é alcançar o sucesso. E o sucesso nesse caso é ter dinheiro e “parecer feliz”. 

Sério? Só tu deves acreditar nisso então.

Momento amarga alguns podem proferir. Sendo uma mulher de muitas opiniões e algumas delas radicais, arriscarei um: realista apenas (e um pouco irritada talvez - risos).

Continuo amando minha terra e todos os meus amigos e familiares que nela residem dos quais eu não vivo sem – afinal pisciano não substitui pessoas, apenas soma... Com a idade, cada vez mais uma grande parcela do meu tempo é propositalmente dedicada à manutenção destes. Daqueles que valem!

Recentemente fiz outra escolha consciente: de ser feliz com meus problemas da vida (que ninguém escapa), mas sem deixar de reconhecê-los e, principalmente, de tentar ser uma pessoa melhor a cada amanhecer. Não que eu consiga, mas a tentativa existe e é real.

Sendo toda generalização uma bela ignorância, este relato não se refere a todos os porto-alegrenses que talvez se enquadrem no estereótipo relatado acima, visto que depois que nos tornamos pais (e falo em causa própria – mais risos), o que mais queremos é prover conforto e segurança à prole. Esses escapam das minhas farpas. E outros do bem também, por favor, não se sintam ofendidos. Se for tua amiga, eu não te considero fútil. Ponto!

O que me incomoda é a necessidade da venda de uma imagem de uma realidade inexistente. De uma felicidade de vida vazia e sem objetivo profundo. Assim, VAZIA.

Não se fala em problemas pra não demonstrar fraqueza. Porque pega mal ter problemas, pesa pra imagem.

O que deixarás quando passares dessa pra melhor? Alguém que te amou de verdade quando fazias questão de manter relacionamentos de bar (amores não sobrevivem à superficialidade)? Filhos que não tivestes por egoísmo em dedicar seu tempo a uma pessoa que não fosse você mesmo? Os beneficiados pelo trabalho voluntário que nunca fizestes? Ah sim, a mamãe vai lembrar... Mas essa provavelmente não estará mais aqui pra contar que filho (a) “maravilhoso (a)” ela acha que teve.

Se por acaso achares que essa briga é só minha e que eu estou insana, leia Manual de Ingenuidades, há pelo menos algumas pessoas concordando comigo. De acordo com este, o PICMB (Perfeito Idiota de Classe Média Brasileira) não faz trabalhos domésticos, não respeita trabalhos manuais, seu tempo vale mais do que o tempo do outro, se sente o parâmetro de tudo, vai pra Orlando sempre que pode, acha a Europa chata, a Ásia um planeta esquisito, joga lixo no chão, e a melhor de todas, adora pagar caro. Não tem coisa que rotule mais um PICMB como gostar de pagar vale pagando caro. Porque caro significa “eu posso pagar”, não significa que o produto valha a pena.

Respire fundo. Antes de me atacar reflita se não estás dentro da bolha. Até aceito opiniões divergentes, mas só de quem tenha saído da província amada por pelo menos 10 anos e aberto enfim seus horizontes para o mundo.

Ser cidadã de lugar nenhum me dá uma sensação de não pertencimento. O outro lado da moeda é que estou definitivamente emancipada.

Lil escreve aqui esporadicamente. Por vezes polemicamente.

3 comentários:

OPN! disse...

A-DO-REI!
A melhor parte: "caro significa “posso pagar”, não significa que o produto valha a pena."

Great minds...

Xoxoxoxoxoxoxo!

Thaysa disse...

Como sempre, bem colocado! Yayyyyyyyyyy

Nana disse...

Muito bom, mas acho que isso não é problema só daí, mas do mundo todo que quer vender felicidades nas redes sociais, mas na real não sabem lidar com os problemas cotidianos.
Bj e fk c Deus.
Nana
http://procurandoamigosvirtuais.blogspot.com.br/

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