sexta-feira, 24 de abril de 2020

Descanse

Em tempos de home office obrigatório, acúmulo de atividades e todas as incertezas inerentes à pandemia, há uma pressão ainda maior pela produtividade. Estamos sendo constantemente bombardeados por lives, dicas, cursos e outros que nos incentivam a sermos produtivos o tempo todo. Faça a primeira live quem não ficou ansioso ou indeciso sobre como usar melhor seu tempo, se fazendo exercício, limpando a casa, fazendo os deveres de casa com as crianças ou cozinhando; ou tudo ao mesmo tempo. 

Mas um dos princípios da produtividade, para alguns autores com os quais eu concordo muito, é que ser produtivo é fazer o melhor uso do seu tempo, naquele momento, com os recursos que você tem disponíveis. E muitas vezes o melhor a fazer é: descansar. Uma boa noite de sono ou um momento de relaxamento consciente, por exemplo, podem ser chaves para a saúde física e mental. E não tem como sermos produtivos se não estivermos saudáveis. 

Ainda não está convencido? Pense que seu corpo é uma cidade. Cada célula é uma pessoa. E cada pessoa tem seu papel. Uns são agricultores, produzindo nosso alimento. Uns fazem a defesa, como policiais. E por aí vai... Quando essa cidade está sob ataque, toda a população fica em estado de alerta. Em casos graves, vão todos para um abrigo antiaéreo! Todos se preparam para sobreviver. E nesse estado de stress, ocorrem alterações hormonais importantes para nossa defesa. Nosso corpo/cidade se mantém apto a sobreviver, mantendo as funções essenciais. Porém, se a população dessa cidade passar muito tempo em estado de alerta...não vai ter ninguém plantando ou brincando. Não vão ocorrer os processos normais que mantêm a cidade/corpo funcionando. 

Por isso que, principalmente em momentos de muito stress, precisamos desligar o alarme e deixar nossas células todas descansarem. Se restaurarem. Respirarem. Para poder fazer suas funções com tranquilidade. Entendo que isso vai contra muitas coisas em que acreditamos, e que pode ser necessário que a gente aprenda a descansar. E, sim, existem técnicas para isso! Mas experimente exercitar um descanso reparador, com muito conforto, sem estímulos externos (então deitar no sofá para assistir TV não conta), e imaginar suas células/cidadãos todas se restaurando, descansando e se fortalecendo. 

Renata escreve esporadicamente aqui e apenas deseja a todos que puderem: bom descanso!

quarta-feira, 8 de abril de 2020

“E no dia seguinte ninguém morreu.”

Até que enfim eu consegui terminar um livro desde que começou a distopia. E não por acaso foi um livro distópico que começa “e no dia seguinte ninguém morreu.” Nesses dias em que no dia seguinte a gente contabiliza quem morreu. E se preocupa em saber se alguém dos números era nosso conhecido. Tenho a impressão que nessas circunstâncias todos se tornam conhecidos. Todos os números doem como se fossem o nosso amigo. Afinal habitamos o mesmo mundo. Embora não estejamos sujeitos as mesmas intempéries. 

Vi as pessoas em isolamento social fazendo listas de livros, filmes e séries para assistir. Eu não fiz nada disso, meus dias seguem parecidos. Sou meio isolada. Gosto assim. Sigo trabalhando nos mesmos horários. Eu só queria conseguir ler um livro. 

Ano passado foi um ano  tão ruim, e não consegui ler muita coisa. E agora está tão ruim que eu nem lembro porque o ano passado foi tão ruim. Eu achei que era por isso, porque estava ruim, que eu não conseguia me concentrar. Ou porque já lia o dia inteiro a vida inteira, pesquisadora que sou. Descobri que era caso de idade. Resolvi colocando mais um foco nos óculos. E entrei num ritmo bonito de leitura. Estava satisfeita, leitora que sou desde criancinha. 

Mas aí veio a distopia. E eu não conseguia mais ler. E não porque tem que ficar isolada em casa. Para mim é mais fácil que a maioria. Eu tenho meu marido e muitos bichos. Eu posso trabalhar em casa. Eu tenho um teto para me isolar. Eu tenho água todos os dias para lavar as mãos. Mas não há possibilidade de no outro dia não haver números. E os que podiam fazer algo para termos menos números estão presos em narrativas particulares. E as pessoas que podem, não deixam de sair de casa, mesmo podendo virar números. Mesmo podendo  transformar os outros em números. E tem o vizinho aqui do meu lado levando vida normal. Vida normal, na distopia. 

Mas hoje eu consegui terminar um livro, e nele disse Saramago “a morte não dorme.”

A não ser que a gente tenha que sair para trabalhar, não tem nada que não se possa deixar para depois que tudo passar. 

Cuidemo-nos.🌹



Luciana deseja que todos fiquemos bem e que sejamos responsáveis não só por nossas próprias narrativas.
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