quarta-feira, 1 de julho de 2020

Você já se ouviu hoje?

Estive ausente do blog. Na verdade, estive ausente da escrita, essa forma de expressão que tanto prezo e que por muito tempo foi meu suporte para comunicação e autoconhecimento. O blog, com o passar dos anos, ganhou uma identidade muito maior que os textos publicados, e nessa dimensão estou completamente presente.

Mas voltando à escrita, e ao nosso afastamento, percebo que foi um afastamento da minha própria voz. Um abafar do que eu tinha para me dizer, mas preferia não ouvir. Venho me sentido cada vez mais preparada para fortalecer minha voz, me respeitando e me ouvindo.

Percebo também que, parte da minha relutância em voltar a escrever para o blog, vem dessa "pandemia de conteúdo" que foi trazida (ou criada) pela pandemia de coronavírus. Muitas reflexões excelentes já foram feitas sobre os impactos da pandemia na saúde, na economia e até no sono das pessoas, e não vou entrar nessa discussão. Mas quero chamar vocês para refletir sobre a pandemia de conteúdo que segue crescendo. De repente, todos têm muitas coisas interessantes e "imperdíveis" a serem compartilhadas, e TEMOS que assistir/ouvir/compartilhar tudo o tempo todo. Por um lado isso é maravilhoso, pois o acesso a conteúdos de qualidade está sendo muito facilitado.

Por outro lado, gera uma ansiedade (mais uma) de tentar ver tudo, acompanhar tudo, saber de tudo e (claro) aparecer em tudo... Confesso que, no início dessa onda que eu, ingenuamente, achei que seria breve, eu tentei "aproveitar" bem e assisti (ou, melhor, deixei o celular conectado) em várias lives e aulas online gratuitas de diversos assuntos. Como portadora-em-recuperação de FOMO (o medo de perder as coisas) eu, felizmente, logo percebi que era simplesmente impossível, e extremamente desnecessário tentar acompanhar tudo, e fui ficando cada vez mais seletiva nas escolhas dos conteúdos que quero ver. E se não conseguir ver todos os selecionados, tudo bem.

A partir do momento em que consegui acompanhar de maneira mais presente os conteúdos, fui percebendo que há um excesso de tudo... conteúdos sendo veiculados em diversos canais simultaneamente, que depois ainda ficam gravados e seguem bombardeando timelines e e-mails... o horário "de pico" das lives, em que aparentemente todo mundo está vendo ou fazendo uma live... entrar numa live com poucos participantes "sem querer", e da qual você fica sem graça de sair virou uma nova forma de gafe (dê o primeiro block quem nunca fez isso)... assistir stories de algumas pessoas pode se tornar um trabalho de dedicação integral, dada a quantidade de assuntos (ou falta de, acontece).

E mesmo consumindo poucos conteúdos de poucas pessoas, por vezes me questiono a motivação de quem produz e distribui. Há quem trabalhe com isso, e já tinha essa prática antes da pandemia; há os marinheiros de primeira pandemia; há os amadores; há os deslumbrados. São pessoas que precisam muito serem vistas e ouvidas. E como tem gente precisando disso: atenção! E aprendi a duras penas que perceber as nossas necessidades e cuidar delas é uma tarefa essencial de cuidado a ser feita com autorresponsabilidade. E muitas vezes a solução é muito mais simples do que buscar likes e seguidores por meio de estratagemas virtuais.

Então, mesmo que relutante em "produzir mais conteúdo", quis deixar aqui esse texto e propor uma coisa bem simples: escute mais. Escute a si mesm@ e escute as outras pessoas. Escutar mesmo, sabe? Sem julgar, sem interromper, sem concorrer com a história da outra pessoas. Só escutar. Vamos atendar a essa necessidade que está se mostrando de forma tão aparente, e reduzir a sobrecarga e a solidão. Escutar é uma forma de acolhimento e de cuidado. Para se escutar, é preciso silêncio. Para escutar o outro, é preciso presença.

Renata escreve esporadicamente, e hoje venceu diversas resistências internas para propor: escute mais. Se cuide, use máscara e, se puder, fique em casa.
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