Lembro de sentir dor no corpo desde criança. Anos de ballet e a linda e magra bailarininha era uma criança completamente frustrada, pois enquanto as amigas faziam uma abertura num ângulo de quase 180°, eu ficava lá pelos 60 mesmo. Tantas vezes ouvi que não me esforçava o suficiente, e tudo o que eu queria era chorar pela dor que eu sentia.
Na sétima série me aproveitava de uma amiga mais “avançada corporalmente” que já tinha menstruado, e usava a mesma desculpa que ela para não fazer educação física. “Estou com tpm.” “Estou menstruada”. Aproveitando também da ingenuidade do professor homem. Eu não tinha força para me sair bem em nenhum esporte e era uma aula de educação física e um dia de recuperação pela dor que eu sentia. Ah! E só fui menstruar muitos anos depois, com uns 14 anos!
E por toda a minha vida eu senti dor. Enxaqueca, dor na lombar, sinusite, dor no pescoço, dor nas pernas. E infelizmente me acostumei com a dor diária e senti vergonha muitas vezes de comentá-la, afinal “tão magra e bonita, só pode ser coisa da cabeça”. Além dela muitas alergias respiratórias e alimentares e todas as infecções que pude ter. Ah, e a dificuldade de memorização e esquecimentos de coisas simples, até palavras no meio de uma fala. O cansaço crônico e a insônia. A intolerância À lactose, o intestino irritável.
Nos últimos anos piorou muito, e o último ano foi especialmente importante para eu perceber que todos esses males não podiam estar desvinculados, que na verdade eu devia ter um único mal. Tive uma crise de sinusite fortíssima a qual a minha dor constante na nuca era atribuída (mas péra, e a dor na lombar e nas pernas?). Enquanto tratava a sinusite tive uma crise de labirintite que me derrubou literalmente. Depois de tratados os dois males, com a dor permanecendo, otorrino me encaminhou para um odontologista, pois devia ser DTM. Pois bem, comecei a tratar DTM com um odontologista muito louco, que tentou tratar a mim, uma alopata convicta, com medicamentos homeopáticos. Não por isso, mas sentia que ele não acreditava na intensidade da minha dor. Aquela DTM não me convenceu, para mim não era apenas ela.
Lembrei de que em uma das muitas crises que tive na vida, lá em 2008, uma fisioterapeuta falou que eu devia ter fibromialgia. Não levei e consideração na época, pois só queria “destravar” e terminar de escrever minha tese de doutorado e nunca tinha ouvido falar em fibromialgia.
Lembrei de uma crise de enxaqueca pós-raquidiana em 2013, que durou mais de dois meses e que nenhum dos muitos médicos que passei souberam explicar, afinal “você não tem nada”.
Lembrei de todas as vezes que não pude receber uma visita porque precisava ficar deitada “com dor de cabeça”.
Lembrei que sinto peso nas pernas em todos os finais de dia.
Lembrei que não lembrava de nenhum dia na minha vida que não tivesse com dor.
Lembrei que por mais que fizesse exercícios, a dor não passava. De quando fiz pilates por mais de um ano e chorei em todas as aulas. De não aguentar uma aula de alongamento, nem um simples alongamento pós-treino.
Comentei alguma coisa com um amigo, que me disse: “você tem que procurar um bom reumatologista” – e lembrei que eu nunca tinha pensado nisso! Afinal reumato é coisa de velho, oras! E percebi que nenhum dos muitos médicos e fisioterapeutas que passei (a não ser aquela única) nunca tocou nesse ponto.
Então tive o meu diagnóstico e tenho tratado essa doença tão desconhecida até pelos médicos e sigo lidando com a incompreensão de outrem, afinal “tão magra e bonita, só pode ser coisa da cabeça”.
“Só pode ser falta de exercício”. Até por um lado pode ser, mas agora entendo que nunca posso começar a praticar exercícios com dor, então devo “tratar de tratar” a dor antes, para que não seja um sofrimento.
Poderia escrever páginas sobre essa história toda, e na verdade só estou escrevendo pois podem ter pessoas na mesma que eu e nem imaginam que o que sentem é na verdade uma síndrome – de difícil entendimento e de difícil diagnóstico. Inclusive essa semana descobri uma amiga que também tem.
Algumas pessoas me disseram: “mas que bom, ao menos agora você tem um diagnóstico e vai poder tratar”. Tudo bem, mas entendam que nunca um diagnóstico de doença crônica (e até agora incurável) é bom. De que sentir dor constante não é bom.
Por outro lado me sinto bem, pois andei olhando em grupos de portadores da fibromialgia e tudo o que vejo é pessimismo e uma energia péssima. E eu, como toda a dor que eu sinto – embora alguns dias sejam mais difíceis – consigo manter minha alegria de viver e não sucumbir a auto-piedade.
Hoje realmente foi um dos dias mais difíceis, muita dor, péssimo humor e quase que incapacidade para fazer tarefas simples. Mas me mantive firme no meu maior propósito: de ser maior que essa dor e de não permitir que ela tire meu sorriso.
*Se quiser saber mais, um ótimo site: www.fibromialgia.com.br
Luciana escreve as quartas, tem dias que realmente é muito difícil sair da cama, e esse texto não deve acabar aqui.