terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Carta Aberta à Andreia


Andreia,

Sei que não é consolo, mas cá estou eu, com quase 35 anos, um curso de Direito e uma especialização em Ciências Penais pela PUC Minas nas costas, fluente em três idiomas, cursando um MBA na FGV e cadê realizações concretas?!! Também me sinto imensamente frustrada, não sou a profissional de sucesso que muitos professores profetizaram, não prestei concurso público como outros professores insistiram, não segui a carreira acadêmica, não fui uma grande advogada, não conheci o mundo todo e todo mundo, me casei, mas não quero ou tenho medo de ter filhos.

Hoje trabalho em uma construtora como supervisora comercial. Há dias em que tenho vontade de me jogar no Ganges!! Como hoje, por exemplo. Mas nem à Índia consegui chegar. Durante os últimos quatro anos trabalhei como corretora. Ganhei dinheiro? Sim, ganhei. E bem mais do que quando advogava. Mas minha vida parece acontecer em círculos. Trabalho, trabalho, mas não consigo “acumular” nada. Não tenho um carro quitado, não tenho um apartamento. E não tenho prespectiva de ter. Até hoje não descobri em quê eu gostaria realmente de trabalhar. Aí vou vagando sem rumo por aí. Não sou preguiçosa, nem tenho vocação pra viver às custas dos outros. Por isso trabalho muito, mas em áreas que não significam muito, ou nada, pra mim. Vejo minha irmã mais nova e muitas vezes me pego pensando onde foi que errei. A menina sabe o que quer desde nova: dizia que queria ser professora. O primeiro emprego de verdade da vida dela é ser professora concursada na UFMG. E eu nem sei o que quero fazer da vida!!! Fico me sentindo uma verdadeira fraude. Não serei hipócrita com você: sei que sou muito inteligente e mais capaz do que a maioria das pessoas. Mas isto até hoje não me garantiu um lugar ao sol, a despeito dos meus mais verdadeiros esforços. Chega a ponto da minha mãe que tem pavor de gente vagabunda me dizer que preciso parar de trabalhar um pouco. Acho que fico me escondendo no trabalho, mesmo que eu não me satisfaça com ele. Aí, quando fico meio à toa, como tenho ficado desde setembro, não há como me esconder das minhas frustrações. Ultimamente tenho me sentido um lixo. Esta é a realidade.

Verdade que tive uma sorte na vida: eu encontrei um grande companheiro. Impressionante como pode um cara apoiar tanto uma pessoa tão instável e passional como eu. E tenho me sentido mais instável a cada dia que passa. De tanto quebrar a cara, acabei perdendo um pouco da minha auto confiança. Engordei pra burro (só 15 quilos) e estou pastando, quase que literalmente, pra tentar voltar ao normal.

Mas quando paro pra pensar friamente, evento raro na minha vida, vejo que sou muito feliz!! Sim!! Pode parecer incrível, mas sou feliz. A felicidade não é uma constante, sabe. Quero dizer, pra ser feliz a gente não tem que ser a melhor profissional, ter o melhor carro, apartamento, ser independente financeiramente, estar acompanhanda, ter filhos, cachorro e se sentir num comercial de margarina, tudo ao mesmo tempo e agora. Porque tudo ao mesmo tempo e agora nem o Jim Morrison deu conta! E não há nenhum motivo pra eu acreditar que eu sou mais intensa do que ele. Não quero morrer jovem. Quero viver muito! Então acho que preciso viver um pouco menos acelerada, quase em slow motion mesmo. Mas também não quero ser igual àquela coitada da propaganda da Renault que tudo que ela queria, não conseguia, mas tinha sempre uma alternativa piorzinha “que tudo bem”. Cá entre nós, tudo bem o caralho!! Minha vida não é o comercial da Pepsi!! Mas já sei que eu não vou conseguir ter tudo, ser tudo, viver tudo. Porém, tenho muito: muito amor, amizade, ombro amigo, companheirismo, compreensão, alegria, risadas, gargalhadas indecentes, quase pornográficas. Sou muito: passional, alegre, feliz, emputecida com muita coisa, revoltada com outras, e eternamente insatisfeita. Vivo muito, mas cada vez mais um dia de cada vez. E então tudo bem de verdade.

A vida é feita de escolhas e acabo de me dar conta de que vivo a vida que escolhi. Se eu não tivesse me casado, certamente teria me jogado no mundo, viajaria mais, viveria em outros países, conheceria outras culturas, continuaria magra e linda. E viveria pensando no amor que teria deixado pra trás, nos cachorros que não teria tido, na pouca importância que a magreza e a beleza física têm no frigir dos ovos. É, amiga, a vida não é mole não... A gente não pode se dar ao luxo de viver pensando “what if”, senão a gente endoida. Seja você mesma, viva cada momento devagarzinho, saboreie, não tenha medo de errar. Não deixe nada mais para depois. Aos quase 35, o depois me parece muito assustador. Enfim, viva, porque no final das contas, somos o resultado das nossas experiências e seremos muito amadas assim, do nosso jeito.
 
Laeticia é solidária à Andreia e entende perfeitamente o que ela está sentindo.

8 comentários:

Anônimo disse...

Eu também compartilho dessa sensação de que todo mundo tem tudo e eu nada... Como se apenas assistisse todos realizando/roubando os MEUS sonhos... Parece que estou do lado de fora da vida, sem agir, sem saber como agir, sem ter certeza, sem ter encontrado o meu caminho... Sem ter começado a viver de verdade...

Vanessa disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Vanessa disse...

...acredito que todas as pessoas, às vezes, se sentem incapazes, incompletas, frustradas... em parte me identifico com vocês... esta sensação de sempre querer algo ou de nada ter é que me propulsiona a querer mudar e me faz sonhar... seria chato demais se tivéssemos tudo o que queremos e do modo como gostamos... o importante é seguirmos, continuarmos rumo a nossos sonhos e ideais, tentar construir e descontruir quando não nos agradar... ir rumo ao que se quer...

Vanessa disse...

...acredito que todas as pessoas, às vezes, se sentem incapazes, incompletas, frustradas... em parte me identifico com vocês... esta sensação de sempre querer algo ou de nada ter é que me propulsiona a querer mudar e me faz sonhar... seria chato demais se tivéssemos tudo o que queremos e do modo como gostamos... o importante é seguirmos, continuarmos rumo a nossos sonhos e ideais, tentar construir e descontruir quando não nos agradar... ir rumo ao que se quer...

andreia disse...

Obrigada pela solidariedade, Laeticia!

Sempre bom saber que, embora em situações diferentes, não estamos sozinhas neste sentimento.

Numa sociedade de aparências, "todos" são felizes e bem sucedidos.

E Vanessa, é isso mesmo: ir ao rumo que se quer...

Amarras adolescentes não mais há tempos, agora, no de repente 35 (?!!!!), se livrando das amarras sociais.

Sandes disse...

Que texto impressionante! Limpo, claro, verdadeiro e emocionante. NOTA 10!

Advokete disse...

É, pessoal, hoje estou me sentindo mais frustrada do que no dia em que escrevi este mail pra Andréia...

A Bela disse...

Andréia e Anônimo, compartilho do mesmo sentimento, de estar a margem da vida, apesar de que, ao refletir melhor, perceber que tenho tudo pra ser feliz e que sou feliz. Mas a questão de se sentir à margem da vida, vai além disto, ela passa pelas nossas escolhas, sim, mas parte do momento em que não sonhamos, que não idealizamos nada para buscarmos. Por algum motivo (cada um tem o seu) deixamos de sonhar por muito tempo, e daí agora paramos, e apesar de estarmos bem acompanhados, nos sentimos flutuando, sendo levados de nenhum lugar, para lugar nenhum. Por isso quero voltar meus olhos pra mim, pra saber o que eu realmente quero, e sair dessa ausência de gravidade. Bjosss q possamos nos encontrar com e cuidar melhor de nós mesmos.

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