sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Laeticia no País das Maravilhas. Ou em Macondo.


“- Sonhando?
- Se esse mundo fosse só meu, tudo nele era diferente. Nada era o que é porque tudo era o que não é. E também tudo que é, por sua vez, não seria. E o que não fosse, seria. Não é?
- Sinceramente, seria bom se as coisas fizessem sentido só para variar.” (*)

Chove muito, muito mesmo em Macondo. E já se vão mais de cem anos, assim me diz meu avô. Mas não é que meu avô já não me diz coisas como antes? Talvez seja porque meu avô também já se foi e eu nem havia me dado conta até outro dia mesmo, enquanto olhava a chuva pela janela.

Chove muito, muito mesmo em Macondo. E já se vão quase dez anos que seu avô se foi, assim me diz a saudade. Mas não é que a saudade já não me diz coisas como antes? Talvez seja porque eu também já não seja como antes e disto eu só estou me dando conta agora, ouvindo o barulho da chuva que ainda cai lá fora.

Chove muito, muito mesmo em Macondo. E já se vão quase quinze anos que você se foi, assim me diz meu coração. Mas não é que meu coração já não me diz coisas como antes? Ou será que ele já não me diz coisas como antes porque eu mesma já não sou como antes? Ou será que, sim, talvez meu coração ainda me diga coisas como antes, mas eu é que não consiga mais ouvi-lo com a mesma clareza? E disto talvez eu já tenha me dado conta um dia, mas talvez tenha me esquecido também.

Chove muito, muito mesmo em Macondo. E ainda não se passou tempo algum desde que eu comecei a observar a chuva e a ouvir seu barulho da janela. Isso é o que você pensa, assim me diz uma voz. Mas não é que esta voz que tem me acompanhado desde sempre também já não me diz coisas como antes? Ou será que a voz já não me diz coisas como antes porque eu lhe dei as costas, fingi que não a ouvia? De quem será esta voz?

Chove muito, muito mesmo em Macondo. Olhando a chuva forte e ouvindo seu barulho da minha janela, sinto falta da presença do meu avô, da saudade do que passou, da força do meu coração e da voz que por tanto tempo ignorei. Sinto falta da minha própria presença, do que vivi, do que senti, do que eu ouvi, do que fui e ainda não voltei.

Chove muito, muito mesmo em Macondo. Olhando a chuva forte e ouvindo seu barulho da minha janela, dei-me conta de que ainda há tempo. Dei-me conta de que ainda há muito a ser vivido. Dei-me conta de que meu avô nunca deixou de estar presente e que minha voz só se manteve calada por um tempo porque eu havia ido embora; dei-me conta de que não me abandonou.
Chove muito, muito mesmo em Macondo. Olhando a chuva pela janela, dei-me conta de que a saudade do que se foi faz parte. Dei-me conta de que olhar pela janela e observar a chuva, ouvir seu barulho, faz parte. E dei-me conta de que sair da janela e ir me molhar na chuva também faz parte.

Chove muito, muito mesmo em Macondo. Hoje não estou mais na janela. Já não observo a chuva, tampouco ouço seu barulho de longe. Estou na rua. Estou sob a chuva, bem perto. Sinto a chuva, converso com ela. Dei-me conta de que a chuva, de perto, não me parece mais tão forte, nem tão barulhenta. Dei-me conta de que se a chuva não passar, é possível passar por ela.

Até que enfim você se deu conta, me dizem meu avô, meu coração e minha voz. Estou voltando.

Laeticia ainda há de dar-se conta de muito mais coisas.

(*)Lewis Caroll, Alice no país das maravilhas.

3 comentários:

Andréia B. Borba disse...

E assim seguimos dando-nos conta de muitas coisas pela vida afora...
Bjs querida!

Vanessa disse...

E quem é como antes? Seríamos como antes e nos camuflamos em nós mesmos ou mudamos realmente?

O que importa é sermos nós mesmos e vivermos fazendo a diferença, é buscar o que se quer.

Vanessa disse...

Olá! Creio não ser o lugar mais apropriado pra pergunta e/ou pedido mas fora o único que encontrei... Como faço, se é que existe esta possibilidade, pra fazer parte deste time de bloguistas? Desejo escrever, compartilhar com vocês alguns pansamentos... nessa_rl1@hotmail.com é meu email e aguardo respostas, bjins!

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