Há mais de um ano não dou as caras por aqui. Eventualmente passei pela porteira e por lá fiquei de pé, encostada, observando em silêncio, ouvindo de longe os barulhos, as risadas, as polêmicas, enquanto lambia minhas feridas em silêncio. Eu não queria entrar. Eu não podia.
Perder minha mãe abriu um buraco tão grande no meu coração que ele próprio se tornou um grande buraco, onde caí. De lá fiquei surda e apática a quase tudo que antes mobilizava meus sentimentos, inclusive vir até aqui. Eu não queria sentir, nem minha perda, nem nada. Eu não podia sentir, pois buracos não sentem dor, nem amor.
Fui engolida por papéis, assaltada por cartórios e impostos, estuprada por regras e burocracias e tele-atendentes surdos. Calei minha voz frente às injustiças que sempre fizeram meu sangue ferver. Curvei-me à soberania das mesmas e acabei afogada no fel da resignação que delas escorre abundantemente. Como recompensa, consegui viver um dia após o outro, sem coração, e um pouco anestesiada da sensação de ter tido a mulher mais importante da minha vida arrancada violentamente de mim. Desta vez, briguei feio com a morte, esta puta de quem antes eu sequer tomava conhecimento.
Quando as coisas começaram a se acalmar um pouco o ser debaixo da minha pele me incomodava muito e tive que mudar. Eu queria a mudança pela mudança, mudar porque podia. Mudei de emprego, então. Agarrei uma boa oportunidade como um náufrago se agarra desesperado a um tronco que corre pelo mar, antes de perceber que no fim dava pé onde o navio afundou. Há, que doce o consolo de escalar outras preocupações para esquecer as que já existem. Pena que nunca houve um beberrão de pinga que tenha se curado de alcoolismo bebendo cerveja.
Até que não fiz feio, fiquei bem orgulhosa de mim e bem feliz com a paisagem que eu via à frente, mesmo tendo que, aos poucos e quase sem perceber, abrir mão de tantas coisas tão fundamentais. Mil quilômetros por semana, doze horas por dia e os monstros do trânsito aliaram-se às minhas assombrações. O ser debaixo da minha pele passou de novo a me incomodar muito, ele sentia saudades e estava tão cansado de tudo. Fiquei com saudades de eu mesma, sabe? E até de coisas legais que antes eu tinha e nem sabia que eram legais. Re-pedi demissão, re-mudei de emprego, re-voltei para minha velha vida.
Só que agora percebo que não sou mais a velha eu, o que está tornando minha velha vida bem mais jovenzinha. Genuinamente não me importo com tantos dedos apontados dizendo que bem feito, teve que voltar, não foi? Não tive que nada, nem pra ir nem pra voltar, escolhi cada dia deste ano do cão. Genuinamente tenho me importado com tão pouco! Eu não quebrei a cara como muitos torceram e acreditam. Eu fui e voltei novinha em folha.
Hoje ao passar de novo por esta porteira, resolvemos todos entrar, tomar um mate e dar um alô. Quem sabe numa hora destas eu não tropeço por aí no meu coração, de buraco bem tapado e criando raízes debaixo de uma figueira?
Gisele Lins costumava escrever aqui esporadicamente e quer muito conseguir voltar a atravessar esta porteira.
5 comentários:
Adorei o desabafo. Já é um começo. Escreva mais. Eu me sinto muito sozinha e nos blogs que leio encontro muitas vezes alívio pra dor, companhia pra solidão. Já dei muita risada com textos aqui mesmo escritos, o que me fez ir dormir bem.
Continue escrevendo aqui sim.
Beijos,
Selma.
Bom ter de volta e me deliciar com a tua escrita. Bom demais ter tido a tua visita... Na espera de novo! Beijos...
GI! fico muito feliz que tu tenha conseguido atravessar essa porteira e te aprochegar... com certeza custou muito, assim como custaram teus dias até hj. Lindo e muito triste teu texto, mas muito inspirador tb. Dá pra ver qeu a tua garra está toda ali, na medida certa. Vem nos visitar mais vezes, senti muito a tua falta!
Um abraço bem forte!
Rê
Gi!
Saudade imensa de ti!
E dos teus textos...
A porteira está aberta!
Força para vc mudar, e se remodelar tanto quanto quiser e precisar.
Beijos,
Andreia
Gii!
Essa sou eu também...Como você sabe...jamais podendo voltar a ser eu mesma!
Saudades,
Cati Pasqualli
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