Tem gente que nem lembra de seus sonhos. Eu, literalmente, não consigo viver sem os meus, mesmo quando não quero saber deles.
Desde pequena comigo é assim: não tem noite que eu não sonhe. Mas não é sonhar com alguma coisa difusa, alguma coisa que eu quero ou com algo relacionado ao meu momento de vida. Não. Eu sonho complexo. Meus sonhos têm enredo, início, meio e fim, e se eu acordo antes disso, consigo voltar a dormir (se naquele dia for possível, é claro) e continuar sonhando apenas para saber como termina. São imagens cheias de detalhes, cores, sons, cheiros e personagens com características psicológicas complexas que inspiram muito das minhas doideiras diurnas. Conforme a época da vida eles ainda têm um certo padrão, uma linha de fundo que se repete. É claro que nem sempre me lembro de tudo, mas geralmente o que lembro é suficiente para me abismar e seguir perguntando: “mas de onde é que isso sai?”.
O sonho mais antigo que eu me lembro foi de quando eu ainda não era nascida. Era de um berço com um vaso pequeno que tinha uma rosa, perto de uma janela iluminada. Minha mãe disse se lembrar desta cena, e garante que ainda estava grávida de mim.
Depois eu lembro de sonhos aos dois anos. Nesta época meus pais estavam a caminho da separação. Sonhei que nossa casa era um navio que tinha sido atacado por piratas, que amarraram meu pai, colocaram-no na prancha (que era o escorregador do quintal), fizeram picadinho dele e depois jogaram-no aos tubarões (?). Em seguida sonhei que ele me convidava para andar de pedalinho em um laguinho de um parque. Eu não quis ir pois preferi ficar comendo Jamelão numa árvore da margem. Meu pai foi sozinho e no meio do lago os tubarões viraram o barco e comeram-no. Eu devia mesmo morrer de medo de tubarões.
Então vieram os sonhos com o lugar com o céu lilás, onde uma moça de cabelos longos, crespos e escuros, conversava comigo em uma casinha todas as noites, contando coisas sobre as constelações e me ensinando a fazer contas com frutas. Sinto saudades deste lugar de céu lilás e desta moça.
Logo depois vieram os sonhos de perseguição, que aconteceram durante anos e me faziam acordar toda noite gritando. Neles eu sempre fazia parte de algum grupo, ou facção que estava sendo perseguido (terráqueos por extraterrestres, índios por soldados, um time de futebol por outro, e por aí vai...). Nestes sonhos, que eram muito vívidos, eu via meus comparsas correndo, ficando para trás e sendo aniquilados nas mãos do inimigo. Quando eu estava preste a ser pega, de alguma forma, eu acordava gritando desesperadamente. Até o dia em que sonhei que lagartixas saltitantes atacavam os humanos. Se elas saltassem e encostassem a pele de alguém, imediatamente a pessoa se pulverizava no ar e acabava-se. Eu corria, e corria, e corria do raio das lagartixas, até que cheguei em um campo de trigo com um casebre de madeira no meio. Corri para lá e tranquei portas e janelas. As danadas passaram pelas frestas e quando uma delas pulou e ia me alcançar, ela virou uma bolacha Maria que eu comi, e a partir daí fiquei anos sem ter estes sonhos de perseguição.
O legal foi que, apesar de mudar os personagens, estes sonhos sempre aconteciam em um mesmo lugar, no qual cada noite eu ia conhecendo um novo cantinho, uma clareira, uma estrada, uma construção. Pasmei quando há uns dez anos estive na Irlanda, fazendo uma viagem que eu queria muito sem um motivo concreto, até que comecei a ter a sensação de que já tinha estado neste ou naquele lugar por onde passávamos. Então que comecei a “prever” o que vinha no caminho, o castelo, a falácia, depois da curva, e acertava! Freaky, hã? Mas foi uma das coisas mas emocionantes da minha vida, graças às lagartixas saltitantes.
Por agora voltei a ter pesadelos, mas não tenho lembrado muito bem do contexto deles. Apenas acordo gritando quase toda noite. Eu não, o Sr Puko, pois é ele quem acorda com meus gritos e depois me acorda delicadamente (pois se ele me acorda gritando, quando eu recupero a consciência aí é que eu grito mais ainda). Duro mesmo é ver a cara dos vizinhos para o coitado do Sr Puko quando saímos de manhã cedo, achando que ele me espanca toda noite.
Por estas e outras, sigo curtindo minha “vida dupla”, mesmo em meio a pesadelos (daqui a pouco alguma coisa vira uma barra de chocolate meio amargo 70% que eu vou comer e vai ficar tudo bem – pois afinal, tudo e todos evoluem, não?).
Gisele Lins escreve aqui às quartas-feiras. Hoje sonhou nitidamente com sua irmã, que ia com ela na loja experimentar o vestido de noiva e que ela aprovava ( Ôba!). Saudades baixinha...
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