Eu sumi. Mas eu não sumi porque eu quis sumir, simplesmente. Passei por tanta coisa nos últimos anos, me perdi, me encontrei, me perdi novamente e finalmente me reencontrei. É difícil esta caminhada rumo a nós mesmos. E o pior é que nunca sabemos quanto tempo a caminhada irá durar. A minha, já me conformei, será eterna.
E então que durante este meu sumiço, encontrei tanta coisa, tanta gente, tanto sentimento que estava, ora guardado, ora esquecido, que consegui recuperar uma parte de mim muito, muito querida e que estava desacordada. Consegui realizar um grande sonho. Um sonho que me permitiu reviver momentos lindos.
Quando eu tinha apenas 19 anos fui fazer intercâmbio cultural na Tailândia. Isso foi em junho de 1995. Larguei emprego, estudos, namoradinho adolescente e fui-me embora desbravar o mundo. Foram meses maravilhosos, de intenso amadurecimento e engrandecimento pessoal. Conheci uma família maravilhosa que abriu os braços e o lar pra uma estranha: eu.
No final do programa eu realmente me sentia em casa. Sabe quando você chega em casa da rua, já vai direto tirando os sapatos e abrindo a geladeira pra pegar água gelada? Quando chega e belisca da comida que está sendo servida sem nem lavar a mão? Pois é. Era assim que eu fazia.
Minha volta pro Brasil foi sofrida. Não que eu não quisesse voltar, rever minha família, dar andamento na minha vida “de verdade”. É claro que eu queria. Mas eu estava me sentindo aterrorizada com a dúvida: será que algum dia eu vou conseguir rever esta família que se doou tanto pra mim? Era 1996, não havia tanto acesso. Internet? Email? Besteirada inimaginável. Recebi mais de 300 cartas manuscritas durante meu ano de intercâmbio (e respondi todas). Eu tinha medo de perder contato com minha família tailandesa. Temia que a memória – ainda que jovem – me traísse e eu acabasse por deixar o tempo embaçar lembranças tão importantes da minha vida. Tinha medo de que minha família se esquecesse de mim, que eu deixasse de fazer parte dela, que eu me tornasse apenas uma vaga lembrança naqueles corações. E eu chorava, chorava e chorava.
No início conseguimos manter algum contato por telefone. Nunca me senti capaz de escrever uma carta em tailandês. Costumo dizer que sou analfabeta funcional. O tempo foi passando e o contato, escasseando. Fui me agarrando cada vez mais às fotos e ao cordão que minha mãe tailandesa havia me dado. Em mais de dezessete anos, este cordão nunca saiu do meu pescoço, a menos que houvesse risco de eu ficar sem ele.
Até que um dia surgiu o Facebook. Fucei tudo até encontrar minha família. Voltamos a conversar com mais frequência. Aí veio o Whatsapp. Olhem que maravilha!! A tecnologia estava diminuindo a distância entre nós. Quantas e quantas vezes eu não chorei até desidratar ao conversar pelo Face com a minha mãe tailandesa e minhas irmãs? Era terrível ter que ficar me explicando: eu amo vocês, mas minhas condições financeiras são limitadas, preciso estudar, a passagem é muito cara... eu tinha só 20 anos quando eu voltei pra casa, né?
Quantas vezes eu fiquei desempregada neste período? Nem sei, de tantas que foram. Quantas vezes algum coisa deu errado e eu tive que mudar meus planos e adiar mais uma vez minha volta à Tailândia? Perdi a conta. Quantas e quantas vezes deu TUDO errado?! Eu já estava quase entregando os pontos. Aceitando e admitindo para todos a minha incompetência profissional que me gerava tantas outras incompetências. E o choro descia livre. Alguma de vocês já teve a sofrida – e inesquecível - experiência da desesperança? Eu tive. Dói. E é uma dor física. Aí um belo dia eu, durante minhas orações noturnas, implorei por um período de trégua na minha vida. Eu já vinha enfrentando inúmeras dificuldades de forma ininterrupta havia mais de 10 anos. Eu estava com mais de 30 anos e não enxergava luz no fim do túnel. Eu me sentia uma velha frustrada por não estar vivendo.
Parece que funcionou. A trégua veio. De repente as coisas começaram a dar certo. Eu recuperei minha saúde – física e mental. Consegui desacelerar, pensar menos no futuro, viver mais o presente. E, quando me dei conta, estava com passagens compradas pra Tailândia!! Hotéis reservados em Bangkok e em Phuket. Minha família tailandesa me esperando, fazendo planos. E mais uma vez eu me vi assolada pelo medo: depois de mais de 17 anos, como será minha recepção? Será que vou me sentir em casa? Será que vão me receber como uma filha? Será que vai ter tudo mudado?
O mais engraçado é que o medo não faz parte da minha realidade. Eu não tenho medo de nada. Quer dizer, nas CNTP, meus medos se restringem a baratas e tubarões. Fui educada para não ter medo de correr atrás, de tentar, de arriscar. Confesso que entrei naquele avião tremendo de medo. Um misto de ansiedade e medo. Ainda bem que isto não abalou minha capacidade de dormir. E chegar em Bangkok, sabendo que minha família ia me buscar no aeroporto, foi relativamente rápido. O que são 36 horas em relação a 17 anos, né?
De cara, meu medo foi alimentado. Tornou-se um verdadeiro terror e quase abri a boca a chorar de tristeza nos primeiros minutos após passar pela imigração. Cadê minha família?! Eles não vinham me buscar?! Andei desolada de um lado para o outro, tentando me mostrar forte pro meu marido e amigos, mas morrendo por dentro.
Fui salva pelo meu marido. Tenho certeza que ele viu a tristeza nos meus olhos. Ele me acalmou, disse que ficariam ali enquanto eu dava uma volta pra ver se encontrava minha família. A gente não conhecia o aeroporto, vai que minha família estava por ali? Andei, andei, andei. E na medida em que andava, meus olhos se enchiam de água. Minha visão foi ficando turva, meu coração, apertado. Uma desilusão danada.
Até que ouvi: LAETICIA, LAETICIA!!! HERE!! HERE!! E lá estava minha família todinha, inclusive os novos membros que eu só conhecia por fotos. Que chororô!! E de repente – momento merchandising – todos os meus temores desapareceram. Fui sendo tomada por um sentimento de pertencimento absolutamente inexplicável. Eu era parte daquela família, daquele lugar, daquela cultura. E eu voltei a ser a pessoa mais alegre do mundo!! E a mais poderosa!! Aquela que é capaz de tudo, de mover mundos e fundos pra ser feliz!!
Laeticia chegou da realização de um sonho há 17 dias e não vai esperar mais 17 anos para rever sua família tailandesa. Não dá mais.