sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Academia Brasileira de Letras

Eu me lembro quando eu ainda acreditava que a Academia Brasileira de Letras era uma coisa séria. E achava os imortais praticamente semideuses da literatura. Contribuíam pra isso minha pouca idade (portanto, inocência) e falta de vergonha na cara de procurar saber direito o que era. De qualquer forma, em 2002 eu perdi qualquer ilusão a respeito disso quando Paulo Coelho virou imortal (só pra constar, meu problema com Paulo Coelho é conceito, e não preconceito. Já li quase tudo dele – quando era adolescente, claro).

Aí agora com a eleição para o novo imortal, a vergonha na cara de pesquisar um pouco mais surgiu. E lendo na Veja online (sim, a Veja é uma das publicações de direita que eu adoro) descobri que “Oficialmente, as funções da Academia Brasileira de Letras são zelar pela língua portuguesa e divulgar a literatura nacional de alto nível.” Já comecei a pensar “Paulo Coelho e literatura nacional de alto nível? Não tem nada errado aí não?”.

Eu jurava que quando um imortal morria (?) que os outros 39, do alto da sua sabedoria literária se reuniam pra discutir bons nomes para ocupar a cadeira vaga. E aí seria tipo um Oscar, junta todo mundo e vota. E que participar da ABL seria tipo uma honra concedida, que a pessoa poderia até receber uma ajuda de custo, mas que enfim, não é um emprego.

Mas sou mesmo inocente, viu? O processo é o seguinte: o cara que se acha digno de ser imortal (meu Deus, quanta humildade alguém pensar: ‘bora ocupar a cadeira que era de Machado de Assis) manda currículo. O único requisito é que ele já tenha escrito pelo menos um livro “de reconhecido valor cultural ou literário” ou que tenha se destacado em outra área (caso do Ivo Pitanguy que eu nem sabia que era imortal). Teoricamente, depois de receber as inscrições, os imortais analisam e votam com bom senso. Na prática, o candidato tem que fazer uma campanha discreta (mandando cartas, dando telefonemas, comparecendo a vernissages) e ainda cair nas graças dos imortais que vão fazer conchavo pra escolher quem é “digno” do assento. Mas deve ser discreto e ter bom senso. Não pega bem tocar no assunto antes de ter vaga, afinal só surge vaga quando alguém morre, e é feio mostrar que está na expectativa disso.

Aí a inocente aqui pensa “Nossa, esse trabalho todo por uma disputa de ego?”. Bobinha, eu, né? Ego é o de menos. São 15 mil reais mensais e mais 1500 semanais caso o imortal apareça na festinha semanal, toda quinta feira.

Aí eu fico pensando que bem antes que eu percebesse que aquilo ali não tem nada de sério, depois que Paulo Coelho virou imortal, mais gente percebeu antes de mim: Carlos Drummond de Andrade e Clarice Lispector nunca candidataram. Se eu já era fã dos escritores, agora tenho certeza que eles escreviam mesmo por dom e pela profissão, não dando importância pra ego. Enquanto isso, outros se engalfinham candidatando várias vezes. Isso tudo pra cumprir funções menores, afinal como lembrou a Veja, procedem as críticas de que faz tempo que a ABL não faz nada de relevante. Não sei se tenho mais pena por Machado de Assis, que dá nome à decadente Casa, ou por todos que ocuparam a cadeira 21, hoje ocupada pelo mago mais famosinho do mundo.



Sisa ficou impressionada quando leu que Guimarães Rosa cismou que ia morrer logo depois da posse, e adiou a cerimônia o máximo possível. Morreu 3 dias depois de empossado. Manda avisar que no dia que resolverem contar blog, também vai candidatar a essa boquinha.

4 comentários:

Gisele Lins disse...

Quinzão?
Eu também não sabia dessa... Valeu por sacudir a preguiça e nos presentear com essa pérola absurda.
Vale livro de receitas?

Beijão!

Anônimo disse...

"de reconhecido valor cultural ou literário"? Droga, acho que a Bruna Surfistinha, com seus milhares de livros vendidos, está fora da disputa.
Mas de qualquer forma, eu nunca achei que a ABL fosse alguma coisa de mais.
Mas também achava que eles escolhiam com critério quem seria o substituto e que ser um imortal nada mais era que um status ou coisa do gênero. Fiquei surpreso com as informações.
Sem contar que esses 15 mil interessaram, viu? Mais 1 e meio por semana para aparecer em festas? Eu sempre paguei pra ir em festas...
Se bem que uma festinha na ABL deve ser um "coisa de loco", né? Afe... Fico só com os 15 mil mesmo...

Unknown disse...

Um dia me deram um livro do Paulo Coelho pra ler. Eu era adolescente também. A pessoa que me deu disse que eu deveria ler com muita atenção e dizer exatamente o que achava.
Era "O Alquimista".
Eu precisei de um esforço sobre-humano pra ler. Achei um horror de livro. Uma porcaria mesmo. Disse isso pra pessoa que me deu e perguntei porque ela tinha me feito ler aquilo.
A resposta, eu adorei.
"Pra saber se você realmente sabe ler, e diferenciar um livrinho qualquer de uma boa obra. Estou vendo que sabe."
Nem preciso dizer quem foi que fez isso. Essa mulher deveria ter dominado o mundo, não é possível.

Sisa, eu sinceramente acho que você devia pegar todos os seus textos do blog, compilar num livro, dar um título muito fofo - como só você sabe fazer - e publicar. De preferência, com esse texto de prefácio ou de prólogo. Se um pseudo-Harry Potter se acha digno de uma cadeira dessas, imagine você, que é realmente merecedora dessa cadeira pelas coisas lindas que escreve - e que não envolvem as forças ocultas. Você consegue fazer da realidade uma linda poesia; eu voto em você pra ABL sim.
(e o voto dos velhinhos gagás pra mim não interessa nese caso)
Beijos

Angel disse...

Sinto não poder opinar com toda veracidade que gostaria... nunca li Paulo Coelho.
Mas saber que o Ivo Pitanguy é imortal, dói.
Obrigada pelas informações preciosas. E eu voto em vc também...bjo!

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