O show não pode parar. Foi numa colação de grau de Medicina da UFMG que esta frase adquiriu significado pra mim. Antes eu ouvia o Fred Mercury cantando The Show Must Go On e apesar de eu achar a música muito bacana, quantas músicas bacanas não há? Existe um grupo de teatro amador na Faculdade de Medicina da UFMG chamado Show Medicina e este pessoal sempre vai às colações de grau se despedir daqueles que fizeram parte do espetáculo pra lhes lembrar que o show não pode parar.
Foi este mesmo sentimento de que o show não pode parar que me acometeu quando minha avó nos deixou há uma semana atrás. Na realidade ela não nos deixou. Apenas encerrou um ciclo para começar outro. Estivemos ao lado dela até o fim. Foram duros os últimos anos, mas os últimos dias foram especialmente doídos. Uma coisa é você ver sua avó na cama, caladinha ou te xingando, mas em casa. Outra bem diferente é você ver a pessoa que te carregou no colo numa cama de hospital, com as mãos atadas, puta da vida porque quer ir pra casa e não poder levá-la embora pro cantinho dela. Difícil é ouvir do médico “provavelmente quarta-feira ela terá alta”, prometer pra sua vó que vai levá-la pra casa na quarta-feira e não poder levar porque ela piorou e médico nenhum vai dar alta pra ela daquele jeito. E mais difícil ainda é ouvi-la balbuciar com o restinho de força que ela tem que quer ir embora encontrar o seu avô.
Descobri que eu não sou tão egoísta quanto eu achava que era. Não queria mais que minha avó vivesse. Não daquele jeito. Minha avó sempre foi gulosa e agora, no fim da vida, nem comer ela podia mais. Tinha que se alimentar por sonda. Isso é vida?! Minha avó não merecia ter passado por aquilo tudo. Só lastimo que ela tenha passado. Poderia ter descansado antes. Rezei pra que minha avó fosse embora sem mais sofrimento. Sem ninguém por perto, ainda no CTI, falei ao pé do ouvido dela, baixinho, “vovó, descanse em paz, vá com Deus se esta for a sua vontade, não se preocupe conosco, vamos ficar todos bem”. Minha avó olhou nos meus olhos como quem agradece pela compreensão. Como se eu tivesse que compreender alguma coisa! Eu é que devia pedir perdão por não ter coragem de desligar aquelas tomadas da parede e interromper o sofrimento dela. Não sou tão egoísta, mas sou bastante covarde.
Enfim, vovó se foi. Tranqüila, em companhia de pessoas que a amavam. Minha mãe, minha tia e minha irmã estavam ao lado dela no hospital quando ela fechou os olhos pela última vez. Morreu em boa companhia, D. Maria. Quando recebi a notícia, surpreendentemente não chorei na hora. Senti uma espécie de alívio pela minha vó. D. Maria não estava sofrendo mais. Porém, quando cheguei ao hospital, meu mundo caiu. Chorei. Como chorei sua ausência, D. Maria! E sei que vou chorar muito ainda, pois não parei de chorar Seu Álvaro até hoje.
Odeio enterros. Mas acho velórios piores. A dor é imensa, incontrolável. A gente não consegue segurar as lágrimas. Algumas pessoas realmente perdem o controle sobre si mesmas. Não as condeno. Gostaria de perder o controle nestes momentos. Gritar, espernear, me jogar no chão. Mas não consigo. Escândalos não são de mim. Não sei expressar minha dor desta forma. Aí fico torcendo pra hora do enterro chegar, pra acabar logo, porque acho que temos que fazer em vida e não ficar chorando em cima de caixão. É claro que chorei em cima do caixão, mas eu não só chorei em cima do caixão. Estava louca pra enterrarem logo a minha vó. Não pretendo voltar naquele cemitério tão cedo. Queria voltar pras boas lembranças da minha avó e definitivamente as boas lembranças não estavam naquele lugar. O enterro acabou. Fui pra casa da minha vó. Era lá que eu queria ficar.
Os vizinhos devem estar nos xingando até agora. Devem estar achando uma blasfêmia a baderna que aconteceu lá. Mas o fato é que bebemos D. Maria. Minha avó sempre gostou de uma festa, de ver a família reunida, comendo, bebendo, todo mundo junto. E foi isto que fizemos. Não estava todo mundo, porque não é todo mundo que pensa assim. E temos que respeitar a forma como cada um lida com seu luto, mas eu tenho uma tendência a lidar com a tristeza com alegria. Fui e bebi D. Maria. Ela certamente, onde quer que esteja, gostou de ver os que lidam com a tristeza com alegria juntos, bebendo, rindo, brincando, relembrando muitas histórias, alegres, divertidas, tristes, sofridas, chorando, se abraçando e brindando ao fim de um ciclo. Porque não é verdade que tudo acaba. É verdade que tudo recomeça.
Game over, baby. Sua madrinha foi embora. Mas o show tem que continuar.
2 comentários:
Sem comentários.... Beijos, Miss S.
Puxa Laeticia, que homenagem linda! Que sua avo esteja sorrindo ao senti-la, onde ela estiver agora.
Um abraco apertado!
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