quarta-feira, 15 de julho de 2009

Hamletiando

Fugindo de notícias da gripe e das agruras do mundo, depois de um dia de muito ruminar as minhas próprias (reais e as inventadas), deparei-me com uma cena deliciosa, da minissérie “Som e Fúria” da Globo (Sílvia, eu também sou destas, e assumo), onde um guri desajeitado e vaidoso se descobria fazendo uma bela atuação de Hamlet. Fui pega de surpresa pois aquelas palavras, nunca antes lidas ou ouvidas pensando no contexto que eu (e a torcida do flamengo balzaquiana) vivo hoje, de jovens mulheres maduras, cheias de angústias e ao mesmo tempo de opções para fazer ou não fazer algo a respeito delas.

Escolhi uma versão em Português que achei muito boa, e quem tiver olhos que leia, quem tiver mente que imagine um palco, ou se imagine em um palco, Hamletiando:

O solilóquio de Hamlet
(Ato III, Cena 1)

Ser ou não ser; essa é toda a questão:
Se mais nobre é em mente suportar
Dardos e flechas de ultrajante sina
Ou tomar armas contra um mar de angústias
E firme, dar-lhes fim. Morrer: dormir;
Não mais; dizer que um sono porá fim
À dor do coração e aos mil embates
De que é herdeira a carne!... é um desenlace
A aspirar com fervor. Morrer, dormir;
Dormir, talvez sonhar: eis o dilema,
Pois no sono da morte quaisquer sonhos
- Ao nos livrarmos deste caos mortal -
A paz nos devem dar. Esta é a razão
De a vida longa ser calamidade,
Pois quem do mundo os males sofreria:
A injustiça, a opressão, a vã injúria,
O amor magoado, as delongas da lei,
O abuso do poder e a humilhação
Que do indigno o valoroso sofre,
Quando ele próprio a paz encontraria
Em seu punhal? Quem fardo arrastaria,
Grunhindo, suarento, em triste vida,
Senão porque o pavor do após-a-morte
- Ignota região de cujas linhas
Não se volta - a vontade nos confunde
E nos faz preferir males que temos
A buscar outros que desconhecemos?
Assim nos faz covardes a consciência,
E o natural fulgor da decisão
Sucumbe à débil luz da reflexão;
E assim projetos de vigor e urgência

Em vista disto seus cursos desviam
E perdem o nome de ação. Oh, cala-te!
A bela Ofélia! - Ninfa, em tuas preces
Lembrados sejam todos meus pecados.

(Versão em português, de Luiz Angélico da Costa)

Há mais de quatrocentos anos atrás era tudo igual, igualzinho. Perceber isso, é um alento para minha parte de não ser (suportar, morrer, dormir, preferir males que temos) e um desespero para minha parte de ser (sonhar, buscar outros males que desconhecemos), mas ao menos, acalmou-me um pouco.

Espero, sim, ter forças para continuar urgindo que o natural fulgor da decisão NÃO sucumba à débil luz da reflexão que tento me atormenta. E que meus projetos de vigor e urgência NÃO desviem de seu curso e jamais percam o nome de ação. Enquanto isso, que surjam Ofélias para me distrair.

Gisele Lins escreve aqui às quartas-feiras. Nesta pede desculpas por tentar fazer um melodrama de uma bela tragédia. Foi inveitável .

2 comentários:

Andreia disse...

gi, amo hamlet.

a humanidade não modifica tanto em sua essência.

a versão de franco zefirelli, com mel gibson como hamelet é linda.

e sempre haverá algo de podre no reino da dinamarca, ou em quaisquer reinados.

beijos
deia (esqueci minha conta...)

Lila disse...

Voce e unica!
A maioria das pessoas utiliza a tv como um momento de debilidade mental, de por a mente em off e ficar ali, parado em frente a tela feito um vegetal.
Tu. pequena, nao descansa a mente nem quando estas vendo televisao... o coisinha...

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