quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Definições

De um antigo dicionário ilustrado:


Decepção, s.f. Ato de enganar; surpresa; logro; desilusão. Decepcionar, v.t. Causar decepção. Desilusão, s.f. Perda da ilusão; efeito de desiludir; desengano. Desiludir, v.t. Tirar ilusões a; desenganar; causar decepção a; p. perder as ilusões; desengano.


Do meu dicionário próprio:


Decepção. A descoberta de que algo, um fato, imagem, idéia, concepção, expectativa, crença, que nos foi imbuído por outrem, não procede, não é verdadeiro ou não é possível de ser concretizado. Quando nos acomete machuca, mas vem junto com certo sentimento de se ter sido enganado, logo, de que a dor não é nossa culpa, o que de certa forma a ameniza. Impropérios voltados ao decepcionador de origem costumam amenizar o sentimento. Inclusive se forem proferidos com muita elegância (melhor ainda se forem tão sofisticados a ponto de não serem compreendidos) o decepcionado quase será capaz de sentir-se vingado por ter de si arrancada a esperança do que lhe convinha. Doeu, mas a culpa foi sua, seu filho da mãe.


Desilusão. Idem a decepção, com a diferença de que ao invés de imbuído por outrem o algo, fato, imagem, idéia, concepção, expectativa, crença que descobrimos não ser verdadeiro ou possível de ser concretizado, foi criado por nós mesmos, para nossa própria conveniência. Quando desaba sobre nós (porque desilusão desaba, não apenas acomete) trás uma dor em fio, pungente, constante, que não vai embora. É uma dor ainda mais incômoda, por percebemos que nós mesmos criamos a ilusão, por um motivo pouco nobre qualquer, que certamente serviu para tapar algum sol com alguma peneira. Não nos demos conta do quanto fomos tolos ao achar que criar uma ilusão e passar a acreditar piamente nela iria torná-la verdadeira. E quando a ilusão (confusão dos sentidos que provoca uma distorção da percepção) é desfeita, desiludida, porque algo aconteceu evidenciando que o que acreditávamos servia apenas para um bel prazer irreal, nos caem os butiás dos bolsos. Deixa-nos em um misto de embasbacados e surpresos no início que se transforma em sensação póstuma de ridículo, pois o único pato que não se deu por conta de que tal coisa era uma ilusão foi o próprio que a criou. Como foi possível termos criado tal expectativa se o pseudo-responsável por cumpri-la evidentemente (para todos, menos para nós, os patos) não tinha condições para tal. Digo pseudo-responsável porque fomos nós mesmos que em um instante (ou década) de estupidez consentida esquecemos da máxima “cada um no seu quadrado” e caímos nas graças da tentação de fazer parte do mundo maravilhoso dos iludidos por iniciativa própria, colocando parte da nossa felicidade na dependência da sensibilidade, do respeito e da boa vontade de terceiro(s) que, no mundo cru real, de fato só se responsabilizam pelo próprio umbigo (ou não, também existe a irresponsabilidade pelo próprio umbigo, como uma escolha válida para o seu quadrado). A única vontade que surge é a de que o tempo dê um salto para o momento em que a memória de nossa estupidez já estiver apagada. Impropérios também surgem com a desilusão. Auto-impropérios, que não foram convocados tampouco são elegantes, mas que cumprem muito bem o papel de aumentar o nível de auto-arrasamento. Doeu e a culpa é inteiramente do retardado que foi iludido. Quem mandou ser pato?

Gisele Lins escreve aqui às quartas-feiras. Ela é muito orgulhosa pelo fato de sua língua-mãe ser uma das mais difíceis do mundo, além de uma das mais belas. Tem especial apreço por alguns vocábulos específicos, o que já deve ter mencionado por aqui. Estapafúrdia, incongruência, pantufa e abóbora são os seus queridinhos. Alguns dias, como hoje, ela gostaria que algumas palavras de seu belo idioma simplesmente não existissem, como estas aqui definidas.

2 comentários:

Anônimo disse...

Venero esta frase:

A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta
que nada arrisca, e que, esquivando-se do sofrimento, perdemos também a
felicidade.
Carlos Drummond de Andrade

Evitar a frustação significaria abdicar do viver e será que valeria a pena apenas sobreviver?

... e respondo como alguém que muito te conhece: NÂO!

Riscos da vida e é preciso enfrentá-los.

xoxo

Lila

Angel disse...

Desilusão derruba mesmo, mas ensina a não fantasiar uma próxima vez... bem sei disso!

bjos!

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