sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Comida não é pasto

Se tem uma coisa que aprecio neste mundo é a arte do bem comer. Adoro uma boa comida. Boa comida não quer dizer que tenha ingredientes especiais, ou que seja um prato sofisticado. Boa comida é aquela feita com capricho. Talvez seja por isto que sempre tive um certo pavor de refeitórios. Com tanta gente para comer, nem se o cozinheiro quisesse, poderia fazer alguma coisa com cuidado.

Existem várias formas de se identificar uma comida feita com capricho. Um dos meus critérios é como os ingredientes foram cortados. Fatias laminares de tomate na salada, cebola picada tão pequena que quase não se nota, couve praticamente em fiapos. A não ser que o boi tenha morrido de convulsão, recomenda-se cortar a carne no sentido contrário das fibras, a menos que o cidadão goste de uma carne parecendo um barbante torcido na boca. Esses cuidados fazem a gente notar que a pessoa realmente cortou a comida com algum cuidado, ao invés de brincar de Jack na cozinha.

Recomendo também praquelas pessoas que não têm intimidade com a cozinha pra não inventarem moda e nem adaptarem receitas, muito menos se houver visita em casa. Vai que a visita fica constrangida de fazer o que eu faço sem pudores: olhar praquela comida com aspecto repugnante e falar: “Não, obrigada, estou sem vontade”. As que tem intimidade com a cozinha, essas sim podem se sentir à vontade, e de preferência me chamem para atestar a qualidade do quitute.

Outra coisa fundamental é saber combinar os ingredientes e acompanhamentos. Algum motivo há pras pessoas não comerem macarrão com farinha, oras! Tem coisa que simplesmente não combina! Aqui em SJC tem uma pizzaria que na época de festa junina serve pizza de bolinho caipira (um salgadinho feito com angu e carne moída, e frito). Todas as almas italianas reviram na tumba na época da festa junina, tamanha a aberração e falta de respeito com a cultura gastronômica alheia.

O fato de gastar meu tempo falando de comida se deve ao fato de ter convivido, quando estava em Portugal, com coisas particularmente estranhas. Suco de banana com tomate e cenoura, frangos que parecem que foram atropelados no caminho do açougue, feijão acompanhado de biscoito salpet, águas salgadas com pedaços disformes de legumes dentro (e isso era chamado de sopa!)... tudo isso fez parte do circo dos horrores gastronômicos da minha vida. Como isso tudo foi me assombrar não vem ao caso. Só acho importante ressaltar que nada disso faz parte da cozinha portuguesa. Lá come-se muito, muito, muito bem. Os portugueses sabem que, decididamente, comida não é pasto.


Sisa adora comer, adora cozinhar, e apesar de odiar bacalhau, comeu muito bem em Portugal, e esta noite sonhou que estava em Lisboa, a caminho de se entupir de pastéis de Belém.

4 comentários:

Gisele Lins disse...

Sisa a cozinha e o que sai dela é uma das coisas mais terapêuticas que existem na minha opinião. É o coração da casa (vai dizer que não é lá que acabam os amigos íntimos de verdade?), o laboratório onde amassar um pão, quando estamos com raiva, ou fazer trufas delicadas quando queremos dividir felicidade com alguém, é impagável. Um brinde à arte da boa comida!
Um beijão!

Unknown disse...

Só você mesmo pra me fazer rir.
Felizmente, você nunca provará um quitute meu. Não quero envenená-la, e eu cozinho MUITO mal. Mas que bom que você comeu - e come - muito bem.

Beijos

Renata disse...

Sisa! Muito engraçado o texto! Mas tu sabe que Freud explica esse teu sonho, né?
Beijos!!

Anônimo disse...

Perdão senhor

Criei a monstra dos pastés de Belém...

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