domingo, 20 de julho de 2008

Que outros se jactem das páginas que escreveram; a mim me orgulham as que tenho lido.

E foi com esta frase de Jorge Luís Borges que comecei meu dia de domingo. Tentei me lembrar dos últimos livros não técnicos que li e, vergonhosamente, descobri que meu exercício literário vem caindo muito nos últimos tempos.

Lembro-me com saudades da época em que íamos à Livraria Curió na Avenida Afonso Pena e ficávamos uma manhã inteira nos deliciando na escolha dos livros que leríamos durante a semana. Sim, durante a semana! Líamos três, quatro, às vezes cinco livros por semana. Também com saudades, lembro-me do Círculo do Livro. A revista chegava mensalmente e fazíamos uma lista dos livros que mamãe teria que nos comprar. Isso, mesmo! Teria, senão a vida dela viraria um inferno. É claro que havia negociações, quero dizer, não exatamente negociações já que naquela época um olhar bastava para interromper uma tímida tentativa de chantagem emocional. Mas, desde que os bolsos comportassem, não havia restrição à nossa fome literária. Acho que li a Coleção Vagalume inteira em menos de um ano e, na medida em que novos livros da mesma coleção iam sendo publicados, eu lia quase que imediatamente.

Nem mesmo quando a classe média passou a ser sistematicamente massacrada economicamente, deixamos de ler muito. A biblioteca pública municipal nos socorria, já que não era mais possível comprar vinte livros por mês. Porém, em pouco tempo a biblioteca deixou de nos atender. As bibliotecárias ficavam chocadas de ver nossas fichas sendo preenchidas quase que diariamente. Aí o que nos salvou foi a biblioteca central da UFMG. 

Passei a freqüentar assiduamente a biblioteca central e foi nesta época em que encontrei Sartre. Tinha quatorze anos. Pensem bem! Uma pirralha de quatorze anos lendo Jean-Paul Sartre! Pois eu li. E decidi que leria os clássicos para depois ler os modernistas. E então, descobri nas estantes da minha própria casa muitos autores ainda não lidos: Platão, Aristóteles, Maquiavel, Rousseau, Shakespeare, Camões, Sartre (sim, ele estava lá!), Jorge Amado, Fernando Pessoa, Graciliano Ramos, Cecília Meireles, Gabriel García Marques, Tolstói, Dostoievski. Lembrem-se, eu tinha então quatorze anos de idade. Comecei a devorar estas novas delícias e me perdia nas páginas daqueles livros. 

Com o passar do tempo, fui me certificando da minha própria ignorância e temendo não conseguir ler tudo que eu julgava imprescindível para minha formação.

Hoje percebo com facilidade que meus temores se concretizaram. Não li nem uma décima parte do que desejei e ainda desejo ler. Cada livro me obrigava à leitura de vários outros e infelizmente eu tinha que ocupar grande parte do meu tempo com atividades corriqueiras, mundanas, como estudar, trabalhar e pagar as contas, comer e dormir. Tive que me dedicar aos livros técnicos, a faculdade assim me exigia. Trabalhava o dia todo e estudava à noite, e aos sábados pela manhã, o que significa que não conseguia mais virar a noite lendo um livro inteiro. Quando eu insistia e lia sem ver o tempo passar, acabava me arrependendo ao ver o relógio marcar 05:00h sabendo que ele me acordaria dali a meia hora. Por várias vezes fui trabalhar meio sonâmbula. Não conseguia trabalhar direito, e muito menos assistir às aulas à noite. Fui me dando conta de que meu tempo não era suficiente para ler tudo que eu queria e fazer tudo que eu precisava fazer. E entre a vontade e a obrigação, rendi-me à obrigação.

E assim, durante cinco anos eu reduzi drasticamente a leitura de livros sobre tudo e concentrei-me na leitura jurídica. Por um lado, vejo que não poderia ter sido diferente. O corpo e a mente têm limites que devem ser respeitados. Livrei-me da culpa pela minha ignorância e me dei um prazo de latência para me organizar e retomar meu antigo hábito. Decidi que, tão logo me formasse, voltaria a ler outras coisas, sabia que o tempo era irrecuperável, mas esta pausa era necessária. De fato, findos cinco anos, retomei a leitura. Mas com muito menos intensidade que antes. E por mais que eu tente, não consigo ainda ler tudo que quero. Preciso ainda dedicar muito tempo ao estudo, ao trabalho. Preciso dedicar meu tempo ao meu marido, à minha família, aos meus amigos. A Laila também me demanda um tempo só pra ela. Os afazeres domésticos, estes então demandam tanto tempo que tenho vontade de explodir tudo às vezes. E olhem que meu marido é muito melhor dono-de-casa do que eu!! 

Aí nos pegamos cansados em casa na sexta-feira à noite e constatamos, juntos, que a rotina cotidiana nos toma tempo demais, que passamos muito menos tempo juntos do que gostaríamos, que lemos pouco demais, que não vamos ao cinema como gostaríamos, mas que conseguimos ainda ter esta consciência e lutar para que esta situação não se torne perene, não seja irreversível. Neste exato momento estamos aqui, sentados lado a lado no sofá, ele lendo o jornal de domingo, e eu expondo minhas frustrações literárias publicamente. 

Você me desculpem, agora vou parar. Como eu bem disse no começo, que outros se orgulhem do que escrevem, eu ando precisando buscar mais leitura da qual me orgulhar.


Laeticia gosta muito, muito mesmo de ler e está se organizando para ter uma maturidade mais tranqüila, onde os livros e o tempo para a leitura terão mais espaço. Porém, continua acreditando que não haverá nunca tempo suficiente para ler tudo que julga indispensável.

3 comentários:

Anônimo disse...

Laetícia, com 14 anos vc já lia isso tudo!?!. E eu aqui pensando que eu já estava lendo demais com tres livros que a escola manda e vc 4, 5 por semana.. Vixii sou tão pobre de leitura! rsr

Ótimo texto!!

Júlia

Anônimo disse...

Nesta idade eu tb amava ler. Lia tudo que achava pela frente. Tb devorei toda a colecao vagalume. Uma pena que depois acabei virando uma adolescente normal, que via muita TV, gostava dos New Kids on the block e ficava muito tempo fazendo nada com as amigas.
Adorei seu texto.

Gisele Lins disse...

Eu fui uma criança/adolescente esquisita também, que pedia livros ao invés de brinquedos de presente. Minha primeira coleção foi o Sítio do Pica-Pau amarelo, que eu quase sei de cor de tanto ler e à que eu atribuo até hoje o início da da minha paixão por livros. Também fui fissurada pela coleção vaga-lume. E, infelizmente, também sinto uma saudade doída das madrugadas lendo, e da qualidade do tempo passado em tão boa companhia. Que tenhamos sucesso no projeto de voltar a ler como antes no futuro! Adorei muito o texto!

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