Saí caminhando no sábado pela manhã com uma lista de coisas para fazer ou comprar na cidadícula que eu moro. Porém, as limitações daqui são ilimitadas e quase três horas depois de entra e sai de loja, vencendo um mar de gente, não consegui resolver / comprar quase nada. A individua aqui bufava e praguejava de raiva, sentindo-se uma idiota:
1º) por ainda ter a ilusão de que dá para resolver alguma coisa por estas paragens.
2º) porque perdeu uma bela e rara manhã livre de sábado para NÃO FAZER NADA.
Pra não desperdiçar o momento totalmente, eu entrei praguejando numa livraria-café bem fofa que tem por aqui, querendo comprar um livro e ficar por ali até me acalmar. A espuma já acumulava no canto da boca, ao perceber que, apesar de fofa, a livraria anda tão árida quanto tudo neste lugar, pois basicamente tinha biografias de celebridades instantâneas, livros espíritas ou evangélicos e livros de auto-ajuda. Já tinha passado a abelhar os carimbos coloridos, pois ALGUMA COISA legal eu TINHA que levar pra casa, quando bati o olho num livrinho: “Pare de reclamar e concentre-se nas coisas boas”.
Meu sangue subiu. Aquilo era uma afronta! Uma agressão imperdoável para o meu grau de TPM. Arranquei aquele livro da prateleira como se fosse possível dar um soco na fuça dele, e comecei a folhear aquela porcaria procurando a cara do infeliz que escreveu aquilo. Achei. E parei.
Não é que era interessante? É incrível como os editores brasileiros conseguem avacalhar com a tradução / adaptação de títulos de livros e filmes. Fui descobrir que o original (A complaint free world*) nem é tanto um livreco de auto-ajuda do tipo “como tornar um escritor rico gastando seu dinheiro com sua imbecilidade literária”. Ele conta a história de Will Bowen um tipo de pastor, ministro, líder espiritual de uma comunidade em Kansas City, Missouri, que percebeu que o grau de reclamações da tal comunidade era muito maior do que o aceitável.
Então, ele mostra toda uma análise, bastante simplista, mas muito verdadeira, das motivações que levam as pessoas a reclamarem tanto no seu cotidiano, dos “ganhos invisíveis” que ingenuamente os reclamões acham que obtém (como atenção, empatia, pena, ou poder manter a superficialidade que nos protege de um olhar mais profundo sobre nós mesmos) e pior, do quanto quem só reclama acaba atraindo mais catástrofe na sua vida, não por uma mágica força eletromagnética, mas porque desaprende a enxergar a vida com mais perspectiva e deixa passar as oportunidades de aproveitar melhor os bons momentos.
O livro propõe um desafio: passar 21 dias radicalmente sem reclamar. É lógico que algumas reclamações, as que resultam em algum resultado, são essenciais. As que contam para o desafio são as lamúrias, nhem nhem nhens, sarcasmos, maledicências, fofocas, frescuras, aiaiais que proferimos o dia inteiro apenas para encher o saco das pessoas ao nosso redor e piorar o nosso próprio saco cheio. Para “auxiliar” neste processo deve-se escolher alguma coisa física que represente sua intenção de não reclamar. No caso do livro, por exemplo, é uma pulseira roxa, que devemos mudar de braço cada vez que “escapar” uma reclamação, quando a contagem do tempo deve reiniciar. Também pode ser uma moeda, ou a carteira, que se troca de bolso, a aliança que se troca de dedo, ou o que for, desde que possa ser representado por um objeto.
Levei o livro pra casa, confesso que bem envergonhada por estar comprando aquilo, mas parei para refletir sobre o meu dia, a minha semana, o meu último ano. Putz. Resolvi aceitar o desafio, mas tendo que acatar com a sugestão do Sr. Puko, depois de quase desistir por recomeçar a contagem umas vinte vezes no mesmo dia: passos de bebês, comecei vencendo 21 minutos, passei para duas horas e dez e agora estou tentando vencer 21 horas. A pulseira muda tanto de braço que não sei se consigo os tais 21 dias no próximo milênio, mas honestamente, tentar ao menos ter meu mundo livre de reclamações tem feito muito bem, acho que inclusive aos que convivem comigo.
Gisele Lins escreve aqui às quartas-feiras. Entrando na fase II do bota-fora: livrar-se do lixo interior. *http://www.acomplaintfreeworld.org/