domingo, 25 de novembro de 2007

Outra Realidade

Minha vida andava sendo uma mesmice, as coisas pareciam que não iam progredir. Quando resolvi que ia largar tudo e tentar uma aventura, morar uns tempos na Irlanda, apareceram trabalhos que eu não poderia me recusar a fazer. Não que eu tenha desistido da viagem, só adiei um pouco pra me dedicar a uma coisa que também é diferente de tudo que já fiz até hoje.

Fui cadastrar umas famílias do interior pra poder fazer um projeto de habitações populares no meio rural. Eu, que sempre vivi na cidade, só de ter ido conhecer essas famílias já achei tudo novidade, passei até vergonha quando chamei uma tronqueira de porteira de arame farpado...sabia lá que tinha outro nome??? Também não sabia o que era ingá, agora já até comi um monte!

As famílias que visitei viviam em condições precárias, algumas em barracos que nem banheiro tinham, mesmo assim ofereciam tudo o que podiam pra nos receber bem, quando nem um cafezinho tinha, era água mesmo ou suco da fruta que tivesse no quintal, ganhei coco, ingá, ovo, manga e até jaca, voltamos pra casa praticamente com um frete. Conheci várias figurinhas ímpares, o povo da roça é realmente demais!

Numa das primeiras casas, estávamos procurando um tal de João Carrasco, mais conhecido como Dé, perguntamos onde encontrá-lo e logo nos avisaram que ele estava trabalhando. Subimos um morro pra procurar na lavoura, quando chegamos, lá estava ele, deitado de chapeuzinho na sombra, abraçado a um litro d’água. O chamamos pra descer e pegar os dados pra cadastrar, na roça ninguém sabe número de documento nenhum, primeiro foi um custo pra ele entrar no carro, acho que tinha medo ou vergonha, depois de muita dificuldade pra achar uma pasta com todos os papéis que ele julgava importantes (tinha até certidão de batistério da mulher dele), conseguimos anotar tudo direitinho, aí perguntamos, “onde você vai querer construir a casa seu Dé?”

Ele apontou e disse “ali em cima”. Era no alto de um morro, argumentamos, “mas seu Dé, porque num faz por aqui, onde já é plano, perto da água e da energia elétrica?”.

Ele insistia, “não, lá em cima é melhor que já fico do ladinho da minha plantação”. Nós também insistimos, “mas vai ser uma dificuldade carregar material lá pra cima, e quem vai puxar essa energia lá pra você”, mais que prontamente ele respondeu, “o Lula uai!!”, esse aí vota no Lula quantas vezes ele se candidatar, nem adianta ninguém falar mal.

Só em três dias, visitamos umas 50 famílias. Ouvimos muitas histórias tristes, outras engraçadas, se eu fosse contar todas, teria que fazer uma série de textos, porque são muitas mesmo. O que mais me chamou a atenção é a seca, a maioria dos lugares que visitamos se chamava Córrego de alguma coisa, mas córregos mesmo, sobraram poucos, já eram vários meses sem chuva, quem não pode pagar irrigação, perde tudo, senti sede o dia todo, muito calor e nenhuma sombra naquele lugar. Aprendi muito com essas pessoas, principalmente a dar valor ao que tenho, e tentar ser menos reclamona, toda vez que eu pegar um ônibus lotado, morrendo de calor, espremida que nem sardinha, vou me lembrar que pelo menos quando chegar vou poder tomar um copo de água bem gelada e tomar um banho gostoso dentro de casa.


Louise é uma engenheira da cidade grande, que só foi à roça em algumas férias quando criança, e está tendo a oportunidade de conhecer um mundo totalmente novo e principalmente aprender coisas muito importantes que vai carregar pro resto da vida.


4 comentários:

Angel disse...

Olá Louise, tudo bem?
Conhecer outras realidades é mesmo bem necessário. Ter certeza que as pessoas vivem bem sem a maioria das coisas que temos. Nos faz melhores, mais humildes.
Beijos!

Anônimo disse...

Bem legal o trabalho q vc está fazendo. Acho que vale sim a pena adiar um pouco seus outros planos pra poder realizar este projeto. Com certeza vai ser uma boa experiencia de trabalho mas tb uma boa experiencia para a alma.

Paula disse...

Louise, que bacana seu trabalho, muito mesmo!
Realmente precisamos viver situações diferentes da nossa rotina para dar valor ao que temos, isso é fato! Acabamos reclamando demais e valorizando de menos...
Só este aprendizado já valeu para o resto de sua vida!
Beijos.

Sisa disse...

Oi Lu!
Como eu te disse, quando você contou essa história eu já sabia que isso tinha que dar um post. Eu adorei tudo que está neste mas sei que ainda teve mais coisa bacana dessa viagem pra contar. De qualquer forma, realmente esse tipo de coisa faz a gente dar valor às coisas que pra gente parecem tão óbvias, mas que muita gente rala, rala mas não tem.

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