segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Lembranças e passarinhos

Há muito tempo Anastácia não gostava de passarinhos, não era uma regra geral, nem um ódio mortal, não, apenas não tinha boas lembranças quando ouvia alguns, principalmente canários. Achava bonitinho, que gracinha, que bom devia ser voar, né! Mas não eram os canários, os periquitos, os curiós ou até os pardais que a incomodavam realmente, eram as lembranças que eles evocavam. Dias amarelados, infância sem brincadeira, sem peteca na rua, casa de vô, Domingo. Não que Anastácia não gostasse de seu avô, claro que não, mas lá sempre havia passarinhos nas gaiolas, cantando, tentando, os pobres coitados, alcançar o céu inalcançável, tentando cantar pra encobrir a solidão atrás das grades de sua minúscula casa; e seu avô, é claro, achando lindo, cuidando com carinho, mas sem querer perceber que passarinho é pra voar e não pra virar caixinha de música.

É Anastácia ainda se incomodava quando ouvia canário, lembrava dos Domingos amarelados que passou com sua família na casa de seu avô, presa e sem poder brincar por que senão podia se machucar ou quebrar alguma coisa, ou até aborrecer as pessoas, presa igual ao passarinho.


Anastácia passou um Domingo cheio de lembranças, talvez por que sinta saudade das pessoas que não voltam mais, talvez por que as jabuticabeiras de sua casa estejam em flor e cheias de maritacas, que, aliás, ela adora.



4 comentários:

Gisele Lins disse...

Muito lindo o texto, Silvia!
Identifiquei-me muito com "coisas que lembram outras coisas"...
Um abraço!

Paula disse...

A cabeça do ser humano é realmente fascinante! Fazemos associações das mais diferentes e por isso gostamos ou não de determinadas coisas...
Eu passei a 5a. e a 6a. série almoçando uma "quentinha" que meu pai trazia quando me buscava no colégio e eu passava a tarde em seu consultório. Tenho horror a esta tigelinha, que minha mãe tem até hoje, porque ele fazia questão de me dizer que era um fardo cuidar de mim. Engraçado como são as coisas, não é? A coitada da tigela não tem culpa de nada...
Gosto muito quando Anastácia vem nos visitar!
Beijos.

Tania disse...

O problema e o legal das lembranças, ao mesmo tempo, é que elas têm cheiro, cor, formato, dimensão, som, tudo.
Adorei o texto!

Sisa disse...

Embora não tenha nenhuma lembrança especial, eu até agrado de passarinho. Mas concordo que eles ficam melhor por aí, não dentro de caixinha de música!

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