Elas eram amigas de muitos carnavais. Na realidade, a amizade surgiu exatamente num dos carnavais da vida. E ainda tem gente que fala mal de amizade de boteco. Pois a amizade delas já durava bem uns dez anos e já tinha rodado tanto boteco que a memória não guardava mais. A vida daquelas duas amigas era realmente um parque de diversões.
Durante muitos anos elas passaram carnavais juntas, às vezes na mesma casa alugada, às vezes em casas separadas, mas sempre se encontravam e brindavam mais aquele carnaval, lembrando sempre do dia em que aquela amizade nascera, testemunhada pelas pedras e tijolos centenários daquela cidadezinha mágica. Eram cinco dias mágicos praquelas duas amigas; traziam música aos ouvidos e saudade aos corações.
De volta pra casa, exaustas, as duas acabavam se encontrando pouco, mas sabiam que naquelas festas, naqueles festivais, no campo de futebol, naqueles momentos de celebração da vida, não precisariam telefonar uma pra outra, pois sabiam que lá se encontrariam para mais uma cerveja, mais um brinde e, muitas vezes, mais um pileque. E mesmo depois de se despedir e ir embora cada uma pra sua casa, sem saber quando se encontrariam de novo, as duas tinham certeza daquela amizade.
Mas o tempo passou e uma das amigas começou a namorar. Acabou trocando as farras regadas à cerveja, vodka, cuba-libre e malibu quente por dias mais calmos, mais tranqüilos, por momentos a dois. A outra amiga entendeu e, se por um lado se entristeceu por não ter mais companhia constante pra tomar uma cerva – que nunca era uma só, mas vááárias garrafas-, ficou feliz pela felicidade da amiga.
Passado aquele típico início de namoro, quando os pombinhos não se desgrudam, nem saem sem ser sozinhos, a amiga procurou a outra pra tomar uma cerva, mas aí ela não tinha mais tempo. Já tinha combinado com outras amigas de tomar váááárias cervas e não se lembrou – ou não quis – chamar a antiga amiga pra ir junto. E assim foi durante algum tempo, até que a amiga com namorado parou de procurar a outra amiga, mas não perdeu por ela o carinho que sempre teve. Entendeu que durante sua ausência a amiga conhecera outras pessoas e que talvez estivesse em busca do que ela própria já havia encontrado: um companheiro de vida e de golo.
O início de namoro virou mesmo namoro firme pra uma das amigas e quando ela se casou, não esqueceu de convidar sua amiga distante, mas querida, pra comemorem juntas um momento tão especial. A amiga recebeu o convite radiante e estava lá no dia do casamento. Celebrou a felicidade do casal e tomou todas pra comemorar. Mas não tinha problema porque todos os convidados haviam tomado todas pra comemorar.
O tempo foi passando e as amigas acabaram se encontrando novamente em outros momentos, todos eles regados a muita bebida e muita loucura. Mas a amiga casada já não estava assim tão afim de loucuras e pirações, já não queria mais ir a todas as festas e acabar enchendo a cara todos os fins de semana. É claro que ela gostava bem de uma gandaia, mas o fígado já não tinha dezoito anos e as ressacas simplesmente não valiam mais a pena. Além do mais o metabolismo desacelerara e a amiga, vaidosa que sempre brigara com a balança, andava achando mais gostoso vestir biquíni na praia do que tomar todas as cervas do mundo numa única sentada. Para ela era uma simples questão de custo benefício. Havia dias em que a amiga saía sim e acabava bebendo mais que o bom senso recomenda, mas estes dias andavam raros e, apesar das piadinhas de que ela não era mais a mesma, ela seguia sua vida e se divertia com mais moderação.
Esta amiga achava que com o passar do tempo todo mundo diminuía o ritmo e que era assim mesmo que funcionava. Até o dia em que trocou um festival de jazz em Ouro Preto por um churrasco “na laje” de um amigo porque a turma toda ia pra lá e ela estava com saudades de todos. A amiga andava trabalhando e estudando muito e tinha deixado os amigos todos um pouco de lado. Agora ela achava que era hora de revê-los. Os amigos na laje sempre valem mais que o jazz com estranhos em Ouro Preto.
E foi nesse churrasco que a amiga soube através de outra pessoa que aquela sua amiga de vários carnavais, aquela que ela definitivamente não conhecera bebendo leite, estava doente. Pior, estava muito doente, mas não tinha contado pra quase ninguém. A amiga estava com uma doença hepática e havia sido proibida pelos médicos de beber qualquer coisa alcoólica. Por razões que só a vida conhece, a amiga estava com a mesma saúde que um homem alcoólatra de cinqüenta anos, mas estava tratando a doença como se ela não fosse nada. E a amiga casada então ficou sabendo o pior: que os outros amigos da sua amiga acabavam incentivando seu consumo de álcool, mesmo sabendo que ela estava doente. Afinal, a amiga era a que agüentava mais, a que derrubava todos os homens da mesa, a que bebia de segunda a segunda, a que muitos achavam graça estar sempre com cara e ares de ressaca: “a fulana é assim mesmo” ou “essa é a fulana!”
Foi então que a amiga casada teve vários flashbacks e se lembrou que, de fato, apesar delas duas sempre saírem juntas, viajarem, passarem carnavais em claro, sempre tomando todas, a amiga sempre bebia muito mais e com muito mais freqüência. E percebeu que mesmo depois que ela desacelerara e deixara de ser a companhia predileta de golos da sua amiga, esta havia pisado cada vez mais fundo nas farras e, conseqüentemente, na bebida também. Mas a amiga casada nunca pensara sequer na possibilidade de sua companheira de porres carnavalescos ficar doente ou mesmo ter algum problema menor por causa de bebida. E ficou se sentindo o último dos seres por ter abandonado sua amiga junto a um engradado de cerveja.
Desde o dia do tal churrasco a amiga vinha criando coragem pra telefonar pra outra, pra dizer que ficou sabendo que ela está doente e que quer ajudar, pra marcar de almoçarem juntas pra poder dar nela um abraço de apoio e forçá-la a se tratar direito, mas a distância e o tempo a faziam evitar o telefone. A realidade é que a amiga casada estava com muita vergonha de ter abandonado a outra e não sabia mais se tinha o direito de se meter assim na vida dela. Foi então que decidiu escrever uma carta para a sua amiga, mesmo sem saber exatamente o que iria dizer, nem qual seria sua reação ao ler a carta. Sentada em casa, a amiga escreveu a carta e no outro dia colocou no correio. E desde aquele dia – que foi ontem – a amiga casada está esperando ansiosamente que a outra receba sua carta e permita que ela lhe dê um abraço de apoio e de carinho; que a amiga lhe telefone pra elas se encontrarem e brindarem à sua amizade. Só que desta vez o brinde vai ser com um copo de leite.
Durante muitos anos elas passaram carnavais juntas, às vezes na mesma casa alugada, às vezes em casas separadas, mas sempre se encontravam e brindavam mais aquele carnaval, lembrando sempre do dia em que aquela amizade nascera, testemunhada pelas pedras e tijolos centenários daquela cidadezinha mágica. Eram cinco dias mágicos praquelas duas amigas; traziam música aos ouvidos e saudade aos corações.
De volta pra casa, exaustas, as duas acabavam se encontrando pouco, mas sabiam que naquelas festas, naqueles festivais, no campo de futebol, naqueles momentos de celebração da vida, não precisariam telefonar uma pra outra, pois sabiam que lá se encontrariam para mais uma cerveja, mais um brinde e, muitas vezes, mais um pileque. E mesmo depois de se despedir e ir embora cada uma pra sua casa, sem saber quando se encontrariam de novo, as duas tinham certeza daquela amizade.
Mas o tempo passou e uma das amigas começou a namorar. Acabou trocando as farras regadas à cerveja, vodka, cuba-libre e malibu quente por dias mais calmos, mais tranqüilos, por momentos a dois. A outra amiga entendeu e, se por um lado se entristeceu por não ter mais companhia constante pra tomar uma cerva – que nunca era uma só, mas vááárias garrafas-, ficou feliz pela felicidade da amiga.
Passado aquele típico início de namoro, quando os pombinhos não se desgrudam, nem saem sem ser sozinhos, a amiga procurou a outra pra tomar uma cerva, mas aí ela não tinha mais tempo. Já tinha combinado com outras amigas de tomar váááárias cervas e não se lembrou – ou não quis – chamar a antiga amiga pra ir junto. E assim foi durante algum tempo, até que a amiga com namorado parou de procurar a outra amiga, mas não perdeu por ela o carinho que sempre teve. Entendeu que durante sua ausência a amiga conhecera outras pessoas e que talvez estivesse em busca do que ela própria já havia encontrado: um companheiro de vida e de golo.
O início de namoro virou mesmo namoro firme pra uma das amigas e quando ela se casou, não esqueceu de convidar sua amiga distante, mas querida, pra comemorem juntas um momento tão especial. A amiga recebeu o convite radiante e estava lá no dia do casamento. Celebrou a felicidade do casal e tomou todas pra comemorar. Mas não tinha problema porque todos os convidados haviam tomado todas pra comemorar.
O tempo foi passando e as amigas acabaram se encontrando novamente em outros momentos, todos eles regados a muita bebida e muita loucura. Mas a amiga casada já não estava assim tão afim de loucuras e pirações, já não queria mais ir a todas as festas e acabar enchendo a cara todos os fins de semana. É claro que ela gostava bem de uma gandaia, mas o fígado já não tinha dezoito anos e as ressacas simplesmente não valiam mais a pena. Além do mais o metabolismo desacelerara e a amiga, vaidosa que sempre brigara com a balança, andava achando mais gostoso vestir biquíni na praia do que tomar todas as cervas do mundo numa única sentada. Para ela era uma simples questão de custo benefício. Havia dias em que a amiga saía sim e acabava bebendo mais que o bom senso recomenda, mas estes dias andavam raros e, apesar das piadinhas de que ela não era mais a mesma, ela seguia sua vida e se divertia com mais moderação.
Esta amiga achava que com o passar do tempo todo mundo diminuía o ritmo e que era assim mesmo que funcionava. Até o dia em que trocou um festival de jazz em Ouro Preto por um churrasco “na laje” de um amigo porque a turma toda ia pra lá e ela estava com saudades de todos. A amiga andava trabalhando e estudando muito e tinha deixado os amigos todos um pouco de lado. Agora ela achava que era hora de revê-los. Os amigos na laje sempre valem mais que o jazz com estranhos em Ouro Preto.
E foi nesse churrasco que a amiga soube através de outra pessoa que aquela sua amiga de vários carnavais, aquela que ela definitivamente não conhecera bebendo leite, estava doente. Pior, estava muito doente, mas não tinha contado pra quase ninguém. A amiga estava com uma doença hepática e havia sido proibida pelos médicos de beber qualquer coisa alcoólica. Por razões que só a vida conhece, a amiga estava com a mesma saúde que um homem alcoólatra de cinqüenta anos, mas estava tratando a doença como se ela não fosse nada. E a amiga casada então ficou sabendo o pior: que os outros amigos da sua amiga acabavam incentivando seu consumo de álcool, mesmo sabendo que ela estava doente. Afinal, a amiga era a que agüentava mais, a que derrubava todos os homens da mesa, a que bebia de segunda a segunda, a que muitos achavam graça estar sempre com cara e ares de ressaca: “a fulana é assim mesmo” ou “essa é a fulana!”
Foi então que a amiga casada teve vários flashbacks e se lembrou que, de fato, apesar delas duas sempre saírem juntas, viajarem, passarem carnavais em claro, sempre tomando todas, a amiga sempre bebia muito mais e com muito mais freqüência. E percebeu que mesmo depois que ela desacelerara e deixara de ser a companhia predileta de golos da sua amiga, esta havia pisado cada vez mais fundo nas farras e, conseqüentemente, na bebida também. Mas a amiga casada nunca pensara sequer na possibilidade de sua companheira de porres carnavalescos ficar doente ou mesmo ter algum problema menor por causa de bebida. E ficou se sentindo o último dos seres por ter abandonado sua amiga junto a um engradado de cerveja.
Desde o dia do tal churrasco a amiga vinha criando coragem pra telefonar pra outra, pra dizer que ficou sabendo que ela está doente e que quer ajudar, pra marcar de almoçarem juntas pra poder dar nela um abraço de apoio e forçá-la a se tratar direito, mas a distância e o tempo a faziam evitar o telefone. A realidade é que a amiga casada estava com muita vergonha de ter abandonado a outra e não sabia mais se tinha o direito de se meter assim na vida dela. Foi então que decidiu escrever uma carta para a sua amiga, mesmo sem saber exatamente o que iria dizer, nem qual seria sua reação ao ler a carta. Sentada em casa, a amiga escreveu a carta e no outro dia colocou no correio. E desde aquele dia – que foi ontem – a amiga casada está esperando ansiosamente que a outra receba sua carta e permita que ela lhe dê um abraço de apoio e de carinho; que a amiga lhe telefone pra elas se encontrarem e brindarem à sua amizade. Só que desta vez o brinde vai ser com um copo de leite.
Laeticia realmente nunca fez amigo de verdade bebendo leite, mas sabe que beber leite às vezes faz parte, seja pelo seu próprio bem, ou pelo bem de um amigo querido.
4 comentários:
Laeticia, que lindo seu texto! Para mim, você expressou com exatidão o valor de uma amizade verdadeira!
Vou ficar por aqui, com os olhos mareados, esperando muito que a outra amiga responda à amiga casada!
Beijos.
Maria, arrasou como sempre! Eu costumo dizer que sacrifícios (no caso beber leite) a gente escolhe por quem faz e quando faz. E os bons amigos bem que merecem!
Bjos
Angel
Lê,
A gente muitas vezes abandona amigos à mercê de muita coisa. Quando a gente se dá conta, é importante manter uma certa distância pro caso da pessoa não desejar a reaproximação. Mas tão importante quanto é estar perto o suficiente pra ela perceber que se quiser a gente de volta, é só querer.
Bj
Lindo texto Lê.
Espero que a carta toque a amiga da mesma forma como o texto nos tocou.
Adoro cartas!
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