segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Elogios da Infância

Seu pai gostava de chamá-la assim, destas duas maneiras, na verdade não sei realmente se ele gostava dessas palavras ou se achava que simplesmente combinava com ela, mas o fato é que invariavelmente, chamava; e Anastácia nunca esqueceu – insubordinada e analfabeta. Hoje ela lembra e conta de forma cômica, afinal o humor na sua casa se faz em qualquer situação, mesmo que seja humor negro.

A primeira, insubordinada, talvez fosse o momento de Anastácia dar o troco em seu pai pelo analfabeta; pois era freqüente que ela ficasse de castigo em seu quarto, pelos motivos mais diversos, não fez o dever de casa, falou mentira ou, às vezes, gritou alto demais só por que viu uma borboleta azul. Bom, acho que seu pai, às vezes, também esquecia que ela era criança e, definitivamente, insubordinada. Como era de se esperar, Anastácia, hiper ativa, cansava fácil de ficar no quarto, então, de uma hora pra outra, pulava a janela do quarto e ia brincar no jardim, em uma parte bem escondidinha onde seu pai não pudesse vê-la. Logicamente, passados alguns minutos ela já não se lembrava do pai, nem do castigo e quando via estava brincando em frente a sala de Tv, ou seja, em frente aquele que queria puni-la. Aí, mais do que depressa, quando se dava por si, era tarde demais e só escutava: “ANASTÁCIAAAAAAAAA, ô menina in-su-bor-di-na-da!!!!”. Bem alto e claro, para todos ouvirem e para Anastácia voltar para seu quarto.

Já o segundo, analfabeta, era devido à lentidão de Anastácia para aprender a ler, teve que fazer reforço na escola, o que, aliás, adorava, pois almoçava por lá mesmo e o feijão da escola era o melhor de todos. No entanto, seu pai, não se sabe se achando graça ou não da menina ter dificuldade em ler, constantemente chamava ela assim: “Analfabeta, ha ha ha, analfabeta!”. Obviamente Anastácia não gostava, só que não sabia o que significava analfabeta, achava que era um palavrão bem cabeludo e retrucava: “Não sou não!” – “É sim, ha ha ha!”, respondia seu pai.

Até o dia em que seu pai chegou ao clímax, Anastácia já desconfiava que analfabeto era quem não sabia ler, então fazia todo esforço do mundo para alcançar essa façanha, e nada. Chegou um dia em casa toda feliz: “Pai aprendi a ler” – ah que alegria seria; seu pai se aproximou todo curioso, Anastácia pegou seu livrinho preferido, o da centopéia que se perdia no caminho de uma festa e completou: “Sei ler até de olho fechado.” Pronto, fechou o olho e recitou o livro inteiro, ha, seu pai delirou, a menina nem sabia o que era ler e lá veio de novo: “Analfabeta!”

Hoje, é claro, Anastácia entende o analfabeta, não acha mais que é um palavrão, mas também sabe que não é bom sê-lo, e o insubordinada, sente até orgulho, pois sempre gostou de ter vontade própria. E no fim das contas ri junto com seu pai, por que afinal ela aprendeu a ler de olho aberto.


Hoje em sua casa a brincadeira é diferente: “É, essa aí, depois que aprendeu a ler não larga mais”. Só que dessa vez, Anastácia entende tudo.


4 comentários:

Angel disse...

Nunca é tarde para aprender a ler e que bom que isso se tornou um vício para Anastácia.
Adorei mais esse capítulo
Bjos

Paula disse...

É, a Anastácia realmente é muito esperta! Demorou a aprender a ler, mas no fundo sabia que tinha que ser bem aprendido, porque seria para a vida toda, não é?
Adoro seus textos!
Beijos.

Sisa disse...

Eu também era chamada de insubordinada. E pior, de cachorrinha sem dono, rs. Mas não tive o problema do analfabetismo, rs... Aprendi a ler rápido demais, todo mundo achava lindo!

Anônimo disse...

necessario verificar:)

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