sábado, 1 de dezembro de 2007

Nossos silenciosos aliens de cada dia

Ontem, sonolenta, ao assistir pedaços de um dos filmes que mais gosto “O fabuloso destino de Amélie Poulain”, uma das minhas cenas preferidas é a que, à mesa do jantar, o pai a pergunta como ela vai e ela seriamente responde que vai bem, o enjôo já passou depois do aborto em função do excesso de drogas (mentira, só para sondar se ele realmente prestava atenção no que ela dizia). Ele responde “há, sim, muito bem então”, comprovando sua ausência.

Hoje, ao perguntar a uma pessoa querida se ela poderia me fazer um favor, eu escutei um “infelizmente não”, ao contrário de todas as outras vezes que em que presenciei qualquer coisa sendo solicitada a ela. Seguiu-se “vou estar vinte dias em outro lugar, vou fazer uma cirurgia”.

- Cirurgia? Que tipo de cirurgia?

- Na mama, estou com câncer.

(Segundo em suspenso, dos poucos que presenciamos que dura uma eternidade).

Lembrei de Amélie ao fim do infindável instante e antes que eu percebesse que não sabia o que dizer e me incomodasse muito com isso, ela seguiu falando:

- Olha calma, não precisa se preocupar, eu estou bem. Isso acontece e eu tenho um forte histórico de câncer na família. Faço acompanhamento a cada seis meses. Em maio estava tudo bem, mas agora foi detectado um nódulo diagnosticado como maligno de 1,5 cm que deve ser retirado. Só então vou saber o que precisará ser feito, mas é provável que quimioterapia seja necessária, e eu vou mudar bastante para as pessoas que não estiverem convivendo comigo, devo perder os meus cabelos, meu semblante vai mudar, mas estou muito tranqüila e pronta para encarar este desafio. Não sei se terei merecimento para uma recompensa física por este esforço, mas na minha fé a recompensa espiritual que Deus guarda para mim é garantida e isso me basta.

Não, não fique chateada, nem preocupada - seguiu ela – eu vejo o que está acontecendo comigo como uma enorme oportunidade que Deus está me dando. Ele está me permitindo refletir sobre os meus valores, as escolhas que eu fiz até aqui e tem sido bem engraçado, pois pequenas coisas que antes tinham tanta importância de repente perderam completamente seu valor e outras, no entanto, passaram a ser únicas e imprescindíveis. Eu escolhi que não vou me descabelar por isso. Estou nas mãos do que existe de melhor da medicina e daqui para frente só posso fazer o melhor da minha parte e ter fé em Deus, que certamente está fazendo o melhor da parte Dele, tenho certeza absoluta disso, independente do resultado.

Apesar da surpresa pela revelação, não fiquei surpresa como a forma que esta pessoa está reagindo. Desde sempre ela me parece determinada, organizada, centrada e tranqüila, então, não haveria motivos para ela deixar de agir desta forma em um momento muito delicado de sua vida. Minha admiração por ela apenas cresceu ainda mais, por ver nela um exemplar íntegro de alguém que “não apenas fala correto, mas vive o que diz”. Foram as características dela que a fizeram descobrir muito cedo o pequeno alien que se formou dentro dela própria em tão pouco tempo, e são as características dela que muito provavelmente vão fazê-la passar por esta situação e sair não apenas ilesa, mas ainda mais íntegra e fortalecida de sua convicções.

O que me chocou foi a minha inércia. Eu que me considero uma pessoa muito sensível não consegui compartilhar minha sensibilidade com ela. Senti-me como o pai de Amélie Poulain, com a cabeça enfiada no chão como um avestruz.

E se fosse comigo? Há alguns meses resolvi colecionar as rolhas de vinhos que tomei e que representavam bons momentos compartilhados (com alguém ou comigo mesma). Duas rolhas no fundo de um copo, da noite para o dia, sem que eu as visse, (envolvida nos meus pequenos problemas e preocupações e escrava do tempo) provocaram praticamente a geração espontânea de quase uma centena delas. E se estas rolhas fossem algumas de minhas células descontroladas, alienígenas, que no intuito desenfreado de sobreviver acabassem causando uma pequena bagunça da qual poderia depender esta minha vida de agora, como eu iria reagir? E você?

Realmente não sei, nem ninguém sabe, mas a partir de hoje, tenho alguns novos inputs para pensar a respeito: o como eu gostaria de reagir em uma situação muito difícil e inesperda (em função do exemplo que estou tendo desta pessoa); como eu não quero mais reagir em uma situação muito difícil e inesperada (em função da paspalha insensível que fui, mesmo quando esta pessoa tocou instantaneamente muito no fundo no meu coração) e como eu quero dar mais valor para o que é belo e simples e bom, e menos valor para o que não tem valor na vida.


Gisele Lins é uma ex-futura astronauta muito grata por encontrar pessoas incríveis neste planeta. Deseja toda a fé e luz para uma destas pessoas em um momento difícil, e tem certeza de que tudo vai se sair bem. Escreve aqui aos sábados.

4 comentários:

Thalita disse...

.......
sem comentários.
Como a gente se questiona e silencia ao mesmo tempo ao ver um momento como este?
Como a gente reflete e fica pasma, ao saber que a vida é um instante.
Como a gente se auto-critica e se defende ao nos deparar com algo que nos toca e nos dá medo...
A vida não é um instante, são vários... as rolhas colecionadas são alguns deles...
Beijos

Angel disse...

Também desejo tudo de melhor a essa pessoa nesse momento...!

E se eu viver uma situação assim, quero ser serena e ter tanta fé quanto ela.

Beijos!

Paula disse...

Gisele,

Eu entendo você e o que está sentindo: impotência... Principalmente por não poder ajudar alguém que estima. Esta impotência causa este mal-estar e esta severa crítica com você mesma.
Lembre-se apenas que reações não são controladas sempre, certo? Algumas notícias nos pegam tão subitamente de surpresa que não há como exigir um comportamento "a" ou "b". O que podemos é tentar aprender para agir diferente em uma outra vez...
Beijos.

Sisa disse...

Bom, existem dois tipos de reação que deixam a gente mal. A primeira, a sua, é ficar calada, sem nenhuma palavrazinha pra acudir a gente naquele momento. Mas pior é quando se fala uma bobagem sem pensar. Esse de vez em quando é meu caso, rs...

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